As cócegas podem fazer rir, mas também podem irritar muita gente.

"Seja bem-vindo quem vier por bem!" e "se à porta humildemente bate alguém, senta-se à mesa com a gente!"

Recomendação Sonora

Saturday 29 March 2008

A Pátria Que Lhe$ Pertence

É fazer a chuva cair de outra forma, para tentar unificar os povos, é forçar os rios a escoarem todos no mesmo sítio, é dar o mesmo nome a todos os rios, quando os peixes continuam a injerir plâncton poluído. É com o poder das folhas de papel mudar as vidas daqueles que são de carne e osso. Daqueles que rezam para mudar... em silêncio. E é em silêncio que vão continuar a rezar, a rezar pelo que não têm, mas que não sabem que é bem diferente do que precisam. São as pessoas que rezam aquelas que não sabem quem são, o que são e por que são.

Oh, rica ignorância que te espalhas pelo Mundo em forma de protesto silencioso, calando aqueles que começaram, mas que nunca concluiram aquilo que começaram a pensar. Saltem as cores dos quadros dessas exposições influentes, gritem as letras do dicionário da Língua Portuguesa, elevem-se esses prédios da nossa arquitectura tradicional, e chore, oh... chore o nosso Fado que ainda é cantado em Português.

Curvem-se! Curvem-se pessoas! Curvem-se gente deste povo que come silêncio e que muito reza. Rezem e esperem que os outros se sacrifiquem por vocês. Rezem que chegue um Messias como já muitos existiram, mas que por serdes ignorantes, jamais lesteis as obras deles, torturando-os em vida e pregando-os nas cruzes dos tempos modernos.

E, se o vosso Mundo também for um palco, que aceitem um "contrarregra", que ele coloque os vossos "objetos" no momento certo da "ação" e que ele "batise" o que vocês acham de Sagrado e Verdadeiramente Eterno!

Recebemos um Mandato.
Mais um Ultimato na História.

Aqueles que não sabem qual é sua Pátria, que não conheceram alguns dos nossos Messias, como Camões e Pessoa, que se curvem às memórias de um futuro promiscuamente melhor.
Aqueles que sabem qual é a sua Pátria, que reconheçam que é a eles que a nossa Pátria pertence!

Mudem-se para outra cidade, ou fiquem e lutem comigo!

Curtas - Meow

O Meu Melhor Amigo (Post Número 100)

Hoje fiz mais um amigo
Diferente de qualquer outro
O meu novo amigo é um esquilo
Que saltou para cima do meu ombro

Vi-o na rua sozinho
Não hesitou em vir ter comigo
Pouco me importa o seu tamaninho
Porque ele é o meu melhor amigo

Com o teu rabinho em caracol
Fazendo cócegas no meu nariz
Todos os dias são de Sol
E só por isso eu sou feliz

Quadro de Som

Paz e Amor

Glória ao Mundo e ao Futuro que nos pertence! Glória e Paz à Humanidade vencida pelos Monstros da História. Descanso aos mortos religiosos que viveram em missão. Beijos eternos àqueles que perderam os lábios, a língua, as cordas vocais e a Razão. Beijos aos mudos e aos desfigurados em prol da imagem perfeita. Amo-vos a todos porque não há nada melhor do que encontrar motivo para viver e morrer por uma causa.

Aos professores que querem ser ultrapassados pelos seus próprios alunos, a todos aqueles que não sabem falar, mas que ainda vão fazendo sons. A todos os senhores que controlam o vento para refrescar e que lutam contra aqueles que usam o mesmo vento para congelar. Aqueles que têm boas intenções e que dominam o saber. E que combinação fortíssima: ter boas intenções e saber!

Para que deixem de haver mães que se sintam abandonadas pelos filhos, para que nasçam Pais com amor para ser Pais. Para que haja música e filosofia gratuita para todos os seus filhos. Para que todos os sotaques e maneiras de escrever sejam todos vistos como UM, vistos como características – e não defeitos.

Para os ouvidos mal habituados, sujos pela cera propagada pela televisão e pelas palmadas do Mundo que vos ama e odeia. Para que continue a haver amigos esquecidos, mas jamais as emoções. Que se esqueçam os nomes, as frases e os títulos, mas jamais os sentimentos! Sentimentos que nos distinguem das outras espécies, que nos faz criar esta sociedade divina e omnipotente, que tanto pode criar como poder.

À Humanidade, que é o verdadeiro Deus, por criar e apagar, por ser crente e céptica, por ser demasiado grande nos seus erros e pequena em demasia nas suas responsabilidades. Por querer ser tudo e não ser nada. Por sermos este corpo feito de 70% de água, tal como o nosso Planeta. Por sermos o Planeta. Por o Planeta Terra ser a nossa Terra.

Tudo é nosso e tudo nos pertence.

Nascemos Puros, e por mais que nos aculturem, para o nosso planeta, a nossa Terra, iremos morrer Puros, como nascemos. Voltaremos sempre à nossa mãe, este berço que resiste aos nossos caprichos. Esta nossa mãe, que foi mãe de tudo o que pudemos aprender, mas que ainda tem de parir mais gente.

Desculpa, Mãe, mas os meus irmãos não sabem o que fazem.

E, ao mesmo tempo, sei que tens muito orgulho em todos nós, e de forma igual. E, no fundo, todos nós te amamos de forma igual. Aqueles que amam outra coisa, é porque acreditam que é outra coisa que está por detrás disto tudo – mas no fundo és sempre tu.

Glória à globalização emocional e às mãos dadas entre os pobres, ricos, eternos e efémeros.

Paz e Amor!

Ser Humano

É encontrar poder acústico do corpo sem ressonâncias e tocar um acorde dissonante que te faz dançar em sonhos. É beijar os próprios lábios e fazer os distantes se apaixonarem.

Seria o inalcançável pelos aplausos de peças da Grande Maquinaria, tal como seria se outros aqui estivessem.

Foi o vento que soprou como sempre, e que como sempre soprou, sempre igual às outras vezes - e às próximas vezes, também! Foi por ter agarrado nas ferramentas dessa nova classe trabalhadora e desconstruir.

Será a eterna aliança entre o arrependimento e o sonho.
E, apesar de tudo, será aquilo que sempre foi.

Wednesday 26 March 2008

Monday 24 March 2008

Friday 14 March 2008

Curtas - A Janela Aberta

Carta Aberta ao Mundo

Dou por mim muitas vezes a escrever neste teclado, a depositar aqui reflexões e sentimentos, várias vezes. Sei que a maioria das pessoas não faz isto, nem nada do género, mas reconheço que eles também fazem muita coisa que eu não faço - e, algumas, que até me recuso a fazer. Não são piores do que eu, tal como penso inicialmente. São apenas diferentes - tento convencer-me. São as pessoas com quem convivo no dia-a-dia, que me fazem rir, e que me fazem ter os momentos de loucura que todos gostam, e que poucos percebem. Mas que todos gostam. Gosto daqueles que gostam de mim. Dou por mim a querer abraçar e dar beijos nos meus colegas de trabalho e amigos, porque os seus sorrisos motivam-me e dão-me força. Apetece-me abraçar o gelo, mas sei que se isso fizer, vou-me queimar. Porque o gelo queima, a certo ponto. Isso é das coisas que eu fui descobrindo ao longo do tempo, ao longo desta experiência que os meus pais me propuseram há 20 anos, numa tarde de Março.

Gosto dos meus colegas e amigos, porque eles gostam de mim. Gosto ao ponto de querer abraçá-los e esmagá-los com esta carência que os meus ancestrais ainda vivos não compreendem. "Eu passei por pior, e tu hás-de conseguir, porque és da nossa raça, não és da raça do outro ramo da tua família - és dos nossos." Esquecem-se do que passaram, confiando experiências novas e perigosas a quem ainda nada conquistou. E vou subsistindo, com os bolos que sobram do restaurante, a comida a que tenho direito, e com as poucas ajuda$ que os meus ancestrais ainda vivos me vão dando. Aqueles que se lembram que estou num estrangeiro, porque muitos só se lembram. Sinto-me a transformar adulto, frio, que acha pouca piada às brincadeiras daqueles que têm a idade que ainda há uma década eu próprio tinha. Uma década... Não é por sentir-me mais velho, porque isso pouco sinto, mas é por sentir a pressão daqueles que querem que eu envelheça. Vão pressionando e tentando persuadir-me com ajudas financeiras, escassas ajudas de quem tanto tem, como que se eu fosse uma pessoa problemática em processo de desintoxicação.

Assim, olho para os meus colegas, meus amigos, aqueles que são (ou que fingem ser) e quero abraçá-los, mas também não o faço. E é neste equilíbrio de desespero e carência, que vivo esta loucura que é - apesar de tudo - ainda precisar da minha família e não poder ser livre. Dizem que estou magro, que pareço triste, que não sorrio como antigamente, que já não conto como foi o meu dia na escola. E fingem não perceber porquê. E enquanto eu também souber a causa de isso tudo, vou continuar louco e revoltado contra aqueles que tudo me prometeram e nada me deram, pedindo sempre algo em troca. E jamais serão abraçados da maneira que acham que merecem ser abraçados.

Haverá o dia em que entrarão no meu templo e serão tratados como quaisquer estranhos que venham assistir ao espectáculo. Irão ficar deslumbrados por ver aquilo que o rebelde este a fazer durante estes anos todos, em que devia estar formar-se para servir o Hospital Balbino no Rio de Janeiro, como médico. Irão chorar de katharsis, limpar a alma no escuro da platéia juntamente com as outras pessoas, e pensar que choram por motivos diferentes. Talvez, sim, talvez tenham mais motivos para chorar do que os outros. Baterão palmas no fim com mais força do que os outros. Quererão voltar atrás no tempo e querer ter confiado mais em mim. E o meu templo é apenas o meu corpo e a minha maneira de ser. Porque a vida é um palco, onde todos somos artistas. Só deixamos de ser artistas quando paramos de criar, e passamos a copiar, a ser aquilo que os outros são, porque é assim que se querem as coisas hoje-em-dia: iguais.

Dizem que o pior que pode acontecer a um pai é ser rejeitado por um filho. Mas todos querem ser pais daqueles gostariam que não criaram. Porque começámos todos do mesmo tamanho, pelo mesmo processo de crescimento, passando uns mais pelo isolamento/carência do que outros. E é isso que nos transforma: o amor que nos é dado. E se só somos amados pelos desconhecidos, que seja.

A fase do amargo e da revolta já passou. Fiquei muitos anos no quarto escuro. Esperei sempre que alguém me viesse buscar, mas vim a descobrir que a porta do quarto esteve sempre aberta, que era tudo um teste. Que era tudo uma brincadeira de adultos que não amam por não terem sido amados. Jamais saberão o que se passou no escuro, principalmente o que as vozes na minha cabeça me disseram, como me torturaram. E digam o que disserem, eu quando abri a porta e saí dali, era uma pessoa diferente... graças a mim e às vozes que me levaram a abrir a porta. E não aos que me abandonaram e que andam aí por essas ruas dizendo que somos do mesmo sangue.

Saí agora do banho e estou a alterar o texto, nisto aqui que vou escrevendo. Isto é um texto aberto sobre mim e tem muito por onde se pegue, principalmente porque não sou imutável. A verdade é que isto é uma vontade inconsciente de um dia ser aceite por alguns membros da minha família como ser livre e individual. São eles que me fazem esquecer quem eu sou, são eles que me desequilibram por eu, ainda que incoscientemente, ainda depender emocionalmente deles. Tal como passei 3/4 da minha vida. E é difícil abdicar o passado, principalmente quando se trata de sentimentos. Essas pessoas fazem esquecer-me de quem sou e desorientam-me, fazendo parecer a quem me lê que eu sou mais um que tem um blog para se encontrar, para se descobrir. Mas eu procuro a Verdade e o Vício, e luto por valores universais. Eu sei quem sou há muito tempo e procuro muito mais que a felicidade, vivendo nela, e buscando tornar o impossível em banal.

Nem todas as pessoas boas vieram de ruas claras. Vou sorrir, porque o Mundo merece ser melhor, e as pessoas também tiveram traumas e precisam de sorrisos - pessoas como eu. Ninguém tem culpa do que sofremos. Vamos transformar ódio em amor. Paz e amor.

Amo-me da mesma maneira que amo os que me amam. E, para quem já abidcou de tudo - incluindo as peças mais importantes da família - acreditem que é tudo o que posso dar. Vou continuar, para poder dar mais. Porque merecem. Tal como todos merecemos, mas nem todos tivémos.
"O segredo para a liberdade é recusar tudo." - Leonardo Cascaes

Pre(to)conceito

Ela cresceu num bairro não melhor que eu ou que tu. Fez o infantário na escolinha do bairro, aonde os pais a iam levar de manhã e buscar à tardinha. Sempre lhe fizeram a lancheira, até ela querer ser ela própria a fazê-la, para escolher o que podia pôr lá dentro. Como todas as crianças que não percebem que fazem parte daquilo que as pessoas altas com voz grossa chamam de classe alta, mesmo após a fazer a lancheira, os pais iam conferir, para ver se aquilo que ela tinha escolhido podia ser usado para o lanche. Havia um dia da semana em que ela podia escolher uma coisa especial, uma coisa qualquer que ela quisesse, e esse era o dia de ouro.

Todas as crianças tinham um dia especial. Quase todas. Havia crianças cujos pais, ou pessoas com quem viviam, pouco se importavam com o que os filhos comiam naquele momento de comunhão que é logo antes à hora do recreio. E é nesses momentos que um animal de metro começa a crescer, cada vez mais alto, e a ficar cada vez menos selvagem, menos originalmente humano, mas cada vez mais grande, mais impenetrável.

As crianças mais alertas, mais observadoras, geralmente reparavam nessas crianças que se sentavam para comer sempre o mesmo, todas as tardes, enjoadas do sabor que têm de engolir porque "senão, não cresces". As mais bem ensinadas, não se davam com essas crianças, porque elas são sempre as que ficam no castigo e que nunca fazem os trabalhos de casa. Depois há crianças que intuitivamente percebem que há algo de injusto com essas crianças, algo que não devia acontecer. Ela sentia assim. E um dia sentou-se ao lado dos meninos maus de cor diferente e partilhou o lanche. Fez isso uma vez, naquela semana, no dia do lanche especial. Voltou a fazer na semana seguinte e na seguinte. Até os pais descobrirem, através da mulher de bata de quem ninguém gostava, e lhe tirarem o dia especial. Mas ela continuou a sentar-se ao lado deles, todos os dias, à mesma hora, até as mesas ficarem pequenas e eles já não caberem na mesa aonde costumavam lanchar.

Ao andar na rua, viu uma pessoa com olhar de revolta, que vinha na sua direcção. Ela ficou com medo e pensou logo em atravessar a rua, para o outro passeio. Mas isso seria parvoíce, porque todas as pessoas têm direito a andar na rua, nos passeios, circular por este Mundo que nos pertence. Então continuou no seu passeio, com um sorriso confiante e alegre por saber que ainda pensa diferente, pois a maioria que teria atravessado a estrada.

De joelhos no chão, com lágrimas na cara, mas parada, paralisada. Sem carteira, sem dinheiro, nem documentos. Sem tudo aquilo que dizem que lhe é essencial. Sem nada, só com a roupa do corpo, menos os brincos, a pulseira, o relógio, e os sapatos que levava. De joelhos no chão, com lágrimas na cara, mas parada, paralisada. O vento que soprava as nuvens do céu para novas paisagens às formigas que andam na Terra e que fazem tanto reboliço entre elas - elas, que são todas iguais, apesar da cor, elas que são todas formigas. E o polícia que lhe perguntava se o conhecia, se já o tinha visto antes, como é que o poderia descrever. De joelhos no chão, com lágrimas já secas na cara, paralisada de medo, medo do conhecido, deixou sair um vento estranho que vinha desde os pulmões fracos, passando pela traqueia, dançando nas cordas vocais, batendo no céu da boca e que saiu baixinho e pequenino em forma de:

Ele era preto.

Monday 10 March 2008

Filhos da Folha de Papel

Eu nasci para morrer
Filho da folha de papel
Eu nasci para querer
Mas nunca ter

Matéria fora de si
Matéria fora do Mundo
Matéria para si
Matéria de vagabundo

Não tenho de gemer
Não tenho de sofrer
Não tenho de viver
Muito menos de sobreviver

Respirar o ar puro
Que a nenhum de nós pertence
Fazer
E nunca acontecer

Quadro de Som

Sunday 9 March 2008

Curtas - Pound

O Branco

Tão velho e ainda tanta coisa para fazer
Vou atirar-me ao tempo
Deixar que me faça tremer
Para que eu chore Novembro

Limpar as ruas com o meu temperamento
Beijar o céu cinzento
Transformar as formas e as cores
Curar todas as feridas e dores

Mas é tudo tão grande
Tratar de um jardim
Selvagem verdejante
Que foi ficando assim

E eu sou só um
Pequeno mas instruído,
Atiro-me ao destino
De viver e morrer em jejum
Na ânsia por um lugar mais bonito.

O lápis

Ela sentou-se para desenhar. Agarrou no lápis e apontou para o papel. Antes de começar a fazer o rasto com o carvão na folha branca, virgem e sem vincos, pensou no que ia desenhar. Ela queria desenhar uma emoção, mas não sabia o qual. Lembrou-se de desenhar a frustração de não saber o que desenhar, começar por desenhar isso e levá-la a um nível mais avançado de riscos, talvez trouxesse-lhe a imagem daquilo que procurava. Como muita gente, ela procurava em si descobrir algo de novo, sem ter de ver outros desenhos, ou outras pinturas.

Só que ela nunca tinha desenhado na vida.

Pousou o lápis e parou para pensar porque é que não sabia desenhar e as outras pessoas sim. Porque é que era diferente, no que é que era diferente e como mudar isso. Viu que tinha dedicado mais tempo a fazer coisas que mais ninguém se interessa, coisas que não são pagas para ser feitas. Ela passava as tardes todas a fazer coisas do género, diferentes tipos de plantas, como a relva cresce diferente em cada jardim do bairro, como os pássaros têm sons diferentes, como uns voam mais altos do que outros, como o céu nem sempre é azul. Ela tinha dedicado a vida toda a fazer coisas que ninguém aprovava e que eram consideradas uma tonteirice de criança. Ela já era adulta, mas ainda vivia com os pais, solteira, sem filhos, virgem. Talvez por continuar a agir como uma criança.

Ela conheceu uma amiga que desenhava muito bem, que era um enorme talento, uma verdadeira artista. A amiga tinha desistido de desenhar, estava triste e revoltada. Ela quis saber porquê e a amiga explicou-lhe que tinha passado a maior parte da vida a fazer coisas como pintar árvores, flores, as mudanças do céu, os pássaros a voar. Mas que conhecia gente que só desenhava coisas escuras, mas que usavam cores brilhantes. A amiga que desenhava muito bem disse-lhe que essas pessoas estavam constantemente felizes, porque todos gostavam delas. Toda a gente dizia que eles desenhavam muito bem, e nunca se lembraram da amiga que desenhava muito bem. Diziam-lhe que ela não sabia desenhar. Mas a adulta, que vivia com os pais, solteira, sem filhos, virgem, sabia... que... e chorou.

Secando as lágrimas dos olhos, voltou a pegar na folha e no lápis, e começou a desenhar com força, com muita força, muita força, até partir o bico. Afiou o lápis e voltou a desenhar, continuava a fazer traços decididos e carregados, e partiu o bico outra vez. Afiou com raiva o lápis e cortou-se na lâmina. Sangrava, chorava e desenhava... e a folha registava tudo. Ia registando tudo o que ela ia lhe ia passando, até que ela partiu o lápis... partiu-o. O desenho ficou um presépio de almas penadas, simbolizando o trágico, o amargo e a destruição da última colheita.

A menina que desenhava bem olhou para aquilo tudo espantada. Levantou-se e correu para longe, para o adeus... com medo.

O reflexo

Ele não é aquilo que vê no espelho. Ele não é a pessoa que todos pensam que é. Todos pensam gostar ou saber, mas a verdade é que ninguém sabe quem ele é.

Cada vez que sai do banho, vê a nuvem no espelho, espelha reflexo embaciado. Essa núvem que dá temperatura ao corpo. Limpa o espelho. Nuvem que sai do corpo. Matérias em moléculas de ar a sair dos ombros para a casa-de-banho, fazendo-o sentir poderoso, no entanto acabado de nascer, nascido não-ele. Como é possível não nascer-se ele? Que mais poderia nascer ele, senão ele mesmo? Ele também não sabia.

Na sua análise de troca de olhares com o silêncio verificava se estava tudo em ordem. O papel prata ainda estava a cobrir as cameras ocultas nos cantos daquela divisão da casa. A porta trancada, e não se ouve ninguém a espreitar. A janela está aberta e coberta, para os satélites não conseguirem captá-lo. A respiração é quase parada... quase como se estivesse morto... lembrava-se dos dias de criança, das caras à volta dele, das sensações, das cores do passado. E a nuvem em que estava envolvido não era muito mais diferente daquela que entrava pelos seus ouvidos e se instalava na sua cabeça, nas suas memórias.

Ele tem alguém na cabeça, que não é ele. Alguém que não é ninguém. Ele não tem ninguém na cabeça. E isso só se percebe se se olhar profundamente nos olhos, nos seus olhos que alucinam depois de tomada a libertadora viagem sem sair do sítio. Ele também se olha nos olhos, também se enfrenta e procura. Não faz questão de procurar, apenas quer relacionar-se com alguém, quer envolver-se consigo mesmo, já que mais ninguém lhe resta. Olha-se no espelho que espelha a sua imagem física, alterada, mudadas as cores, as formas e os sons. O espelho fala com ele. O espelho fala-lhe dos sonhos que ele teve. O espelho sai da parede e senta-se no tampo da sanita. O jovem atira-se para o chão agarrado aos cabelos, às orelhas para calar a voz do espelho, daquela figura quadrimensional. Bate com a cabeça na pia e começa a sangrar... verde... amarelo... áspero... sangue. Sangue que cobre o corpo e o chão. O corpo nú e o chão vestido de toalhas. E deixa-se estar ali a sangrar.

O espelho levanta-se e vai tomar duche, enquanto continua a falar com ele. É nessa altura que passa um rato a subir a parede. E bichos, que não são aranhas, mas têm pernas... muitas pernas, muitos bichos, muito pretos e pequeninos, fazendo nuvens na parede. Os bichos entram e saiem do buraco de onde vêm... o espelho toma duche, esfrega-se nos seus órgãos genitais que não tem, lava a imagem do que reflecte, lavando a casa-de-banho, a casa, o Mundo todo, tudo o que reflecte, menos a pessoa que está na cabeça daquele jovem que sangra no chão.

O jovem levanta-se. Sobre para a sanita e tentar trepar a parede. Sente as suas mãos a agarrarem o liso e a fixarem-se. O liso é que se fixa ao seu corpo. Dança, rebola e corre pela parede, tecto, mas quando tenta chegar ao chão cai para cima. O jovem tenta aproximar-se do espelho, que ainda toma banho, mas não consegue, porque a sua imagem é uma violação física. O espelho ri-se e continua a falar com a voz do povo, que é a voz da razão. A razão sem nexo, sem verdade, mas que é a da maioria. A razão que é tudo menos racional, muito menos racionável. E o jovem atira-se para o chão, em desespero, esperando alcançá-lo, ao que é surpreendido quando cai no chão abrindo um buraco na testa, ao lado do outro que sangrava há mais tempo. Mas deste buraco sai um guincho, como quem está a fazer chá num pote... O jovem senta-se em cima da pia e encosta-se, com a mão na testa para tentar calar aquele grito de agonia que lhe sai da testa. Ao encostar-se, fica colado à parede. Anexado por completo, no lugar aonde o espelho estava. Os parafusos, ainda na parede, saem do estuque, rompendo os braços, as costas, as pernas, a nuca do jovem. O espelho saiu do banho, viu-se no jovem. E saiu, apagando a luz nas costas.

Ele não continua sem saber quem é, o que é... Só sabe que dói ser assim e que ninguém o ajuda.

Insignifincantas-me!

Pousas na minha janela.
Deixo-te caminhar sobre a parede transparente do meu quarto.
Tu que estás próxima de me tocar, de me ferrar.
Quero libertar-te, sem te magoar.
Quero dar-te a mão, para me a poderes beijar.

Abro a janela, mas tu não vais... não voas.
Na tua fraqueza exploro agora toda a tua solidão.
Filmo as tuas asas que te são inúteis.
Sofre que gravo tudo para mostrar ao Mundo.

Filmo um futuro cada vez menos distante.
Nascer é a sorte de todos.
Envelhecer é a maldição dos que nasceram.
Morrer é a dávida de quem envelheceu.

Morrer em directo é fama.
É um balde de pipocas que vai sendo devorado.
É o refrigerante de milhares.
Morrer em directo é estenderes a mão e ninguém te acudir.

Sente... sente isto... sente!

Friday 7 March 2008

"Neutro é quem já se decidiu pelo mais forte." - Max Weber.

Novo projecto

http://quadrosde-sons.blogspot.com/

Um blog em colaboração com uma actriz em ascensão, no qual mostramos interpretações de algumas das nossas músicas favoritas, à mistura com algumas originais (do género iogurte de sabor com pedaços de fruta).

Seja muito bem-vindo quem vier por bem!

Sunday 2 March 2008

Haja o que Houver

Porque também há gente que canta bem... =)
Isto é mais uma peça de arte. É por estas coisas que me dá um gozo enorme e um tremendo orgulho ter este blog. Onde poucas pessoas visitam, mas que gostam de cá vir. Uma verdadeira casa portuguesa - tal como está o subtítulo do blog, e como sempre sonhei.

Curtas - Teorias de Quentin Tarantino