Hoje o rapaz entrou 5 minutos antes, para lhe dar tempo de se trocar. Trocou-se, pôs a camisola com o símbolo da empresa mais ou menos na zona do peito aonde fica o coração, desceu da sala comum dos empregados e começou a trabalhar. Antes de começar a trabalhar, não há nada como verificar a lista de tarefas, pois o dia é longo e ele sabe que se fizer tudo na ordem correcta não o podem acusar de nada. "O seguro morreu de velho", ecoava no seu subconsciente.
A primeira coisa que tinha a fazer era limpar todas as superfícies metalizadas. Isto envolvia limpar os sete frigoríficos, à frente e atrás. Limpar atrás significa ter de puxar os frigoríficos à frente, desencostá-los da parede, mas é um processo que é demorado por não se poder puxar todos ao mesmo tempo, caso contrário fica-se sem espaço para circular, e é cansativo, quer pelo esforço físico, quer pela constante movimentação para limpar em cima, agachar-se para limpar em baixo, etc. Isto sete vezes. O rapaz sabe muito bem que isto pode trazer-lhe problemas nas costas, mas que os problemas só vão aparecer daqui a uns anos, e, se correr tudo bem, ele já não estará a fazer este tipo de trabalhos. O salário mínimo tem de ser no mínimo merecido.
A segunda coisa era limpar as prateleiras - nisto começam a chegar os outros colegas de trabalho, que se vão dirigindo cada um ao seu posto para começar aquilo que não pode ser deixado para amanhã. Limpar as prateleiras, mais uma vez, envolve ter de tirar tudo, arranjar espaço para poder pousar as coisas de forma que não caiam, limpar o pó com um pano, passar o spray e puxar o lustro. É um luxo trabalhar num restaurante em que as prateleiras ainda são de madeira. É um privilégio, pois todos sabemos que a madeira é um bem cada vez mais raro. Depois volta a colocar-se tudo de volta nas prateleiras, na mesma ordem em que estava.
A terceira coisa que tem de se limpar é o chão. Alto lá! Falta alguma coisa... Bem me parecia: já devia ter limpo o chão dos frigoríficos, quando eles tinham sido puxados para a frente. Aquela cabeça, meu Deus! Quando se é jovem tem muito de se aprender! Os jovens de hoje em dia só querem borga, trabalhar é o trabalhas. Só por isso, o rapaz teve de voltar a puxar os frigoríficos para a frente e limpar o chão. Já devia ter limpo as prateleiras dentro dos frigoríficos, mas nem quero falar nisso, porque ele no fundo sabe que vai ter de as fazer mais cedo ou mais tarde.
Nisto, chega o gerente que começa por perguntar a razão da porta ainda estar fechada aos clientes. O jovem tinha-se esquecido da porta! Que estupidez! Há coisas que não é preciso estar na lista, que ele já devia saber! A quantidade de dinheiro que o restaurante perdeu naqueles 7 minutos! A quantidade de famílias inteiras que podiam ter entrado, ou mesmo para reservar uma festa de aniversário ou baptizado para mais logo à noite. Às 12:07 o rapaz percebeu que estava despedido. No entanto, o gerente mandou-o acabar os afazeres da lista, antes de o mandar embora. Pagou-lhe as horas de serviço, porque ele sabe que se ele não pagar o rapaz podia protestar demais; e assim, como a situação estava, o rapaz era culpado. É bom ter sempre razão, comprar a razão com o salário mínimo, e o gerente sabe disso. No final ainda acrescentou que provavelmente será expulso do seu cargo pelo responsável pela zona. O rapaz acabou o seu trabalho, recebeu o seu dinheiro e ia para se ir embora.
Desempregado e com fome, o rapaz resolve-se sentar numa das mesas e comer. Afinal de contas, aquela foi a sua casa nos últimos anos, e a comida de casa sabe sempre melhor. Demorou até ser atendido, porque os clientes têm prioridade. Fizeram-no sentar na mesa do fundo, porque os clientes têm direito aos melhores lugares. Mesmo que o restaurante estivesse vazio, eles podiam chegar a qualquer hora! O rapaz mandou vir uma massa carbonara, que chegou meio queimada, na quantidade normal para o cliente, pois ele já não trabalhava lá. Foi provavelmente a primeira vez em muitos anos que estava a pagar por uma refeição naquele sítio.
Nisto entra uma família que quer mesa para 10, mas o gerente diz-lhes que não há pizzas nas próximas duas horas, porque o forno foi ligado tarde. Ele não ouviu o resto da conversa, porque se distraiu com uma das crianças que lhe perguntou aonde era a casa de banho. Isso lembrou-lhe os tempos em que pizza era uma dádiva e que agora é um emprego... era um emprego. Mas é bem provável que o gerente até tenha dito que a culpa foi de um dos empregados que "se esqueceu" e que as medidas já foram tomadas, despedindo-o. O rapaz trabalhava no bar, mas ele tinha assinado um contracto em que era empregado da empresa, por isso tinha que funcionar como em equipa. Se o cozinheiro não tinha ligado o forno, cabia ao empregado do bar relembrá-lo. A verdade é que o gerente não queria começar a trabalhar já, ainda por cima com menos um empregado, ia ter de começar a fazer o trabalho que lhe compete mais o do outro, que haviam sempre sido feitos pelo barman. O rapaz despedido fartou-se de ouvir a conversa do "contracto que assinou pela empresa; trabalho de equipa", e por isso trabalhava muito. Talvez não muito, porque o gerente quando era empregado do bar trabalhava muito mais, segundo o que ele diz.
Ele acabou a sua massa. Pagou e o gerente perguntou-lhe se ia dar gorjetas. O rapaz envergonhadamente tirou duas moedas do bolso e pousou no pratinho. "Só isto?" e pousou mais duas. O gerente, sem agradecer, pôs as moedas no bolso... Perdão! Pôs as moedas na caixa das gorjetas.
O rapaz saiu. Antes de atravessar a porta, o gerente com um sorriso disse-lhe: "Então, boa sorte! Espero que encontres um sítio melhor para ti. Sempre disse que isto era um sítio muito duro para ti." E deu-lhe um grande abraço. O rapaz aí percebeu: afinal o gerente sempre gostou dele, ele é que nunca tinha percebido.
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2 comments:
Como o anterior (ou posterior), muito bem escrito.
Muito bem escrito mesmo! Oh, como compreendo esta realidade... E como descreveste tão bem tudo isto!
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