As cócegas podem fazer rir, mas também podem irritar muita gente.

"Seja bem-vindo quem vier por bem!" e "se à porta humildemente bate alguém, senta-se à mesa com a gente!"

Recomendação Sonora

Sunday, 1 June 2008

Quando é que se envelhece?

É através da lei dos contrastes que se tem a percepção da realidade.

Um menino veio ter com o seu avô e perguntou-lhe quando é que ficou velho e porquê. Uma pergunta mais inocente do que simples deste género é capaz de fazer com que um comboio de imagens passe na nossa cabeça, deixando uma poça de água dentro de nós, que incontrolavelmente despejaríamos em lágrimas. Lágrimas essas que seriam choradas, secadas, transformadas em nuvens, chovidas, nascidas de uma fonte, bebidas e tornadas a chorar por outra pergunta de outra criança. São as crianças que nos fazem chorar, as crianças, os loucos e os alterados por outras substâncias que fazem com que as pessoas regressem mentalmente à sua infância. E são sempre os sábios, os velhos, os cientes que choram. Choram por eles próprios, choram pelos outros, choram. E hão-de chorar sempre, porque a água tem de ser filtrada neste ciclo. Lá chorava o velho.

O menino não percebia o que se passava e afastou-se com um estranho sentimento de culpa com gotas de arrependimento e uma palhinha de sabor a incompreensão. Bebeu aquilo tudo de uma vez e afastou-se, num choque geraria um trauma – ver o avô chorar.

O velho, em solidão, recordou-se daquela noite em que se deitou na cama sozinho, já que a sua mulher estava na cozinha a fazer outras coisas. O velho deitou-se na cama e quis masturbar-se, para relaxar, tal como fazia nas noites em que vinha muito cansado da sua vida de jovem, trazendo-o um misto de Paz e Prazer numas gotas que mais tarde viriam a ser os seus filhos. Começou por lembrar-se da sua mulher, mas não conseguiu atingir a erecção. Talvez por ter dormido demasiados anos ao lado dela, ou talvez por ela não ser mais a mulher que foi um dia. Partiu, assim, com a sua memória para outra mulher que tinha conhecido quando era jovem. Mas nada.

Partiu para outra, e outra e mais uma, mas nada. Até que chegou a uma das suas grandes paixões da sua vida, outra mulher fabulosa. Mas ele tinha-a visto há dois anos, e estava velha. É quase sempre a última imagem que fica, nestas alturas, e como tal associou o seu corpo desnudo de 17 anos que várias vezes viu, àquilo que deve ser qualquer coisa parecida com o actual corpo da mulher. A erecção continuou como sempre estava: sem ter começado. Em pânico, fez uma passagem por todas as mulheres com quem teve relações, quer tenham sido dois encontros, beijos ou apenas uma carta com promessas que nunca se chegaram a cumprir. Nem assim. Naquela idade, já não resta muitas hipóteses, e fez a lista mental de todas as mulheres que conhecia, todas, até as menos atraentes, pensou numa a uma.

Este processo demorou horas e aquilo que começou por ser uma empresa com o objectivo de Paz e Prazer tornou-se uma guerra sanguinária entre o que precisava e as condições a que estava reduzido. Nisto, deu tempo para a mulher vir da cozinha, lhe dar o beijo de boa noite, ler o seu livrinho, dar outro beijinho de boa noite e finalmente adormecer – tal como fazia todos os dias há mais de 20 anos. O velho começou a chorar por não conseguir sequer masturbar-se. O velho chorava a altas horas da noite, na sua cama, com a mulher ao lado que dormia. Chorava de tal maneira que acabou por acordá-la. A mulher quis saber o que se passava, que não compreendia e que ele não lhe queria explicar, com o olhar fixado para o tecto, escorrendo lágrimas dos cantos dos olhos para os ouvidos.

Quando o menino fez aquela pergunta, todas estas memórias lhe passaram como um trovão em frente dos olhos, não assustando-o, mas aterrorizando-o por ele ter encontrado resposta à pergunta do menino mesmo sem ter de pensar/procurar nela. Foi naquela noite, na cama, que descobriu que era velho. Foi quando descobriu que era fisicamente incapaz de amar, incapaz de se amar a si próprio, como antes fazia… oh, e quantas vezes ele o fez!

Mas como explicar a um menino a importância da masturbação, do sexo, do amor carnal? Como fazer entender isso ao menino, se ainda não lhe foi dado aquilo que um dia lhe viriam a tirar, deixando-o na desgraça, como o seu avô ali estava: o apetite sexual.

O avô chorava. Por saber demais. E por não poder fazer nada.

- Francisco, volta ao avô, não ligues ao avô a chorar. Não tenhas medo. Tu também choras, não é?

- Sim, quando estou triste.

- O avô já parou de chorar, vês?

- Sim. Porque é que choravas?

- De alegria.

- De alegria? Eu quando estou contente, riu-me, não choro.

- De alegria, por um dia ter tido a tua idade e nunca ter imaginado que viria a ter um neto como tu. Amo-te muito.

- Eu também, avô.


Paz e Amor/Prazer é para todas as idades, porque "Na natureza, nada se ganha, nada se perde, tudo se transforma" - Lavoisier. O velho percebeu, ali, que a pergunta não era "Quando é que se envelhece?", mas "Quando é que se deixa de Amar?".


Nunca. Diz sempre nunca!

2 comments:

Rafeiro Perfumado said...

Eu espero não chegar a esse ponto, mas utilizo um esquema para saber o quanto estou "velho". Gosto de olhar para as nuvens, e descobrir nelas formas. No dia em que em vez dum urso, duma caravela ou duma gaija boa ver apenas uma nuvem, não só estarei velho como quase morto.

Abraço!

Gaius said...

Aquilo que por pouco seria uma tragédia teve um final feliz! Mas a tragédia está lá. Lindo.