As cócegas podem fazer rir, mas também podem irritar muita gente.

"Seja bem-vindo quem vier por bem!" e "se à porta humildemente bate alguém, senta-se à mesa com a gente!"

Recomendação Sonora

Friday 14 March 2008

Carta Aberta ao Mundo

Dou por mim muitas vezes a escrever neste teclado, a depositar aqui reflexões e sentimentos, várias vezes. Sei que a maioria das pessoas não faz isto, nem nada do género, mas reconheço que eles também fazem muita coisa que eu não faço - e, algumas, que até me recuso a fazer. Não são piores do que eu, tal como penso inicialmente. São apenas diferentes - tento convencer-me. São as pessoas com quem convivo no dia-a-dia, que me fazem rir, e que me fazem ter os momentos de loucura que todos gostam, e que poucos percebem. Mas que todos gostam. Gosto daqueles que gostam de mim. Dou por mim a querer abraçar e dar beijos nos meus colegas de trabalho e amigos, porque os seus sorrisos motivam-me e dão-me força. Apetece-me abraçar o gelo, mas sei que se isso fizer, vou-me queimar. Porque o gelo queima, a certo ponto. Isso é das coisas que eu fui descobrindo ao longo do tempo, ao longo desta experiência que os meus pais me propuseram há 20 anos, numa tarde de Março.

Gosto dos meus colegas e amigos, porque eles gostam de mim. Gosto ao ponto de querer abraçá-los e esmagá-los com esta carência que os meus ancestrais ainda vivos não compreendem. "Eu passei por pior, e tu hás-de conseguir, porque és da nossa raça, não és da raça do outro ramo da tua família - és dos nossos." Esquecem-se do que passaram, confiando experiências novas e perigosas a quem ainda nada conquistou. E vou subsistindo, com os bolos que sobram do restaurante, a comida a que tenho direito, e com as poucas ajuda$ que os meus ancestrais ainda vivos me vão dando. Aqueles que se lembram que estou num estrangeiro, porque muitos só se lembram. Sinto-me a transformar adulto, frio, que acha pouca piada às brincadeiras daqueles que têm a idade que ainda há uma década eu próprio tinha. Uma década... Não é por sentir-me mais velho, porque isso pouco sinto, mas é por sentir a pressão daqueles que querem que eu envelheça. Vão pressionando e tentando persuadir-me com ajudas financeiras, escassas ajudas de quem tanto tem, como que se eu fosse uma pessoa problemática em processo de desintoxicação.

Assim, olho para os meus colegas, meus amigos, aqueles que são (ou que fingem ser) e quero abraçá-los, mas também não o faço. E é neste equilíbrio de desespero e carência, que vivo esta loucura que é - apesar de tudo - ainda precisar da minha família e não poder ser livre. Dizem que estou magro, que pareço triste, que não sorrio como antigamente, que já não conto como foi o meu dia na escola. E fingem não perceber porquê. E enquanto eu também souber a causa de isso tudo, vou continuar louco e revoltado contra aqueles que tudo me prometeram e nada me deram, pedindo sempre algo em troca. E jamais serão abraçados da maneira que acham que merecem ser abraçados.

Haverá o dia em que entrarão no meu templo e serão tratados como quaisquer estranhos que venham assistir ao espectáculo. Irão ficar deslumbrados por ver aquilo que o rebelde este a fazer durante estes anos todos, em que devia estar formar-se para servir o Hospital Balbino no Rio de Janeiro, como médico. Irão chorar de katharsis, limpar a alma no escuro da platéia juntamente com as outras pessoas, e pensar que choram por motivos diferentes. Talvez, sim, talvez tenham mais motivos para chorar do que os outros. Baterão palmas no fim com mais força do que os outros. Quererão voltar atrás no tempo e querer ter confiado mais em mim. E o meu templo é apenas o meu corpo e a minha maneira de ser. Porque a vida é um palco, onde todos somos artistas. Só deixamos de ser artistas quando paramos de criar, e passamos a copiar, a ser aquilo que os outros são, porque é assim que se querem as coisas hoje-em-dia: iguais.

Dizem que o pior que pode acontecer a um pai é ser rejeitado por um filho. Mas todos querem ser pais daqueles gostariam que não criaram. Porque começámos todos do mesmo tamanho, pelo mesmo processo de crescimento, passando uns mais pelo isolamento/carência do que outros. E é isso que nos transforma: o amor que nos é dado. E se só somos amados pelos desconhecidos, que seja.

A fase do amargo e da revolta já passou. Fiquei muitos anos no quarto escuro. Esperei sempre que alguém me viesse buscar, mas vim a descobrir que a porta do quarto esteve sempre aberta, que era tudo um teste. Que era tudo uma brincadeira de adultos que não amam por não terem sido amados. Jamais saberão o que se passou no escuro, principalmente o que as vozes na minha cabeça me disseram, como me torturaram. E digam o que disserem, eu quando abri a porta e saí dali, era uma pessoa diferente... graças a mim e às vozes que me levaram a abrir a porta. E não aos que me abandonaram e que andam aí por essas ruas dizendo que somos do mesmo sangue.

Saí agora do banho e estou a alterar o texto, nisto aqui que vou escrevendo. Isto é um texto aberto sobre mim e tem muito por onde se pegue, principalmente porque não sou imutável. A verdade é que isto é uma vontade inconsciente de um dia ser aceite por alguns membros da minha família como ser livre e individual. São eles que me fazem esquecer quem eu sou, são eles que me desequilibram por eu, ainda que incoscientemente, ainda depender emocionalmente deles. Tal como passei 3/4 da minha vida. E é difícil abdicar o passado, principalmente quando se trata de sentimentos. Essas pessoas fazem esquecer-me de quem sou e desorientam-me, fazendo parecer a quem me lê que eu sou mais um que tem um blog para se encontrar, para se descobrir. Mas eu procuro a Verdade e o Vício, e luto por valores universais. Eu sei quem sou há muito tempo e procuro muito mais que a felicidade, vivendo nela, e buscando tornar o impossível em banal.

Nem todas as pessoas boas vieram de ruas claras. Vou sorrir, porque o Mundo merece ser melhor, e as pessoas também tiveram traumas e precisam de sorrisos - pessoas como eu. Ninguém tem culpa do que sofremos. Vamos transformar ódio em amor. Paz e amor.

Amo-me da mesma maneira que amo os que me amam. E, para quem já abidcou de tudo - incluindo as peças mais importantes da família - acreditem que é tudo o que posso dar. Vou continuar, para poder dar mais. Porque merecem. Tal como todos merecemos, mas nem todos tivémos.

3 comments:

Teresa Raquel said...

Foi por perceber o quanto te amavas que me levantei para te ir beijar.

Chincha said...

Ando há três dias a tentar formar uma frase decente para anexar a este texto.
Porque comentar não vale.

Sinto-me incapaz.

Um abraço? É pouco.
Que mais..? Não faço ideia.
Sou pequena. Tão pequena.

Mil said...

"o longo desta experiência que os meus pais me propuseram há 20 anos, numa tarde de Março"

uhmmm.. PARABÉNS! (se já fizeste anos, oops vem atrasado.. se ainda não fizeste, guarda para mais tarde ehehehe)!