As cócegas podem fazer rir, mas também podem irritar muita gente.

"Seja bem-vindo quem vier por bem!" e "se à porta humildemente bate alguém, senta-se à mesa com a gente!"

Recomendação Sonora

Monday 27 October 2008

O vento

O caos de brisas que aí anda. Em todo o lado, vindas dos espaços abertos, vêm brisas que dançam pelos campos, pelas cidades, pelos armários, pelo curto espaço entre dois lábios prestes a beijar-se - basicamente por todo o lado. Tudo é rodeado de vento, de brisas, de ar que dança; que dança não: mas que canta! Canta em vozes que fingimos não poder ouvir. O vento canta sobre aquilo que viu, que tocou, que presenciou. Só o vento pode dançar à volta do Mundo, ver todos ao mesmo tempo, e ao mesmo tempo falar-nos do que viu ou do que sente.

É o vento que tenta avisar a raposa para que saia da estrada, porque vem lá um carro. É o vento que tenta avisar o condutor que está a ir muito depressa para um dia de chuva e que, se tiver de travar por causa de algum animal no caminho, poderá perder o controlo do carro. Perder o controlo do carro. Perder o controlo do carro e dançar como o vento, sobre e sob o vento, entre ventos, até ir de encontro com algo que imóvel - algo que não quer dançar, algo que nunca prestou atenção ao vento. Mas apesar das danças loucas do vento, a raposa não se mexe e apenas sente o frio. E o condutor, de janela fechada, ignora a brisa que lhe bate na janela.

Passamos a maior parte da nossa vida a desprezar as brisas e os cheiros que nos dão. As pessoas do campo estão fartas das ventanias de aroma a pinheiros, tal como os pescadores estão enjoados do cheiro a mar. Mas o mar só cheira a mar, os campos só cheiram a pinheiros, porque o ar que por lá passeia colhe pequenas partículas desses mares e pinheiros, espalhando sobre as nossas cabeças, como fadas mágicas. Pois, agora já podemos acreditar em fadas. A verdade é que elas sempre existiram, apenas numa forma que nós sempre desprezámos: em brisa.

Nas danças do vento, muito desse ar é sugado pelos nossos narizes, partindo numa viagem louca no interior do nosso corpo, toca nos nossos órgãos, conta-lhes coisas sobre os outros órgãos que já viu - pois muita vezes inspiramos ar que já foi respirado - e sai, um pouco tonto de novo para aquela dança cuja coreografia não vemos, nem a música que podemos ouvir. Expiramos vento, muitas vezes em forma de som, para podermos contar histórias do que vimos, do que sentimos ou do que pensamos. Mas muito daquilo que se diz é mau, é feio - e se ouvires muito desse mal, despreza, pois não passa de vento. Mas também muito bonito é muito daquilo que se diz. Usamos assim as danças dessas pequenas partículas dançantes para nosso proveito. Mas a verdade é que temos de aprender a dançar, a ouvir cantar o vento. Falar menos, deixar o vento dançar mais. Ouvir a dança e a música da brisa e descobrir que o silêncio nunca existiu. Aqueles que se amam, que não o digam: que apenas se olhem nesse silêncio. Olhem-se apenas. E verão o poder do ar que dança à vossa volta e que, carinhoso e sensível como o vento é, se emocionará com o respeito que lhe estão a prestar, empurrando as vossas nucas suave e lentamente até que os vossos lábios se encontrem num beijo. Num beijo, em silêncio. Um beijo que todo o Mundo ouvirá através dos cantos loucos de felicidade das brisas para aqueles que quiserem ouvir.

E, por isso, quando estiverem num espaço aberto, nesse grande salão de dança, deixem-se envolver na música que não podem ouvir ou perceber, mas que - garanto-vos - podem sentir, pois ela está lá. E se a dança aumentar, se o ritmo da música ficar louco, se os pêlos se eriçarem do frio, não fujam de medo, pois está prestes a chegar o Mestre da dança. O Mestre da dança é a união de milhóes de ventos, de todos os lados: um enorme furacão que ameaça devorar tudo e todos, arrastando para os céus tudo o que tem peso e atirá-los lá de cima para o chão. E quando o furacão vos estender a mão, caso tenham esse privilégio, aceitem a dança. E dancem... em silêncio e com carinho, com amor. E assim adormecerão ao som da verdadeira música que existe na Natureza, numa dança que enfeitiça com o canto de histórias de amor. Histórias de amor de todos animais do Mundo, de todo o Mundo, de todas as forças, sussurradas aos teus frágeis ouvidos.

Aceita essa dança, ainda que seja a tua última.

Monologo do Veneravel Conselheiro do Rei

Venerável Conselheiro
Com a corda no pescoço, eu, o famoso professor Catedrático assisto a esta multidão lisboeta que grita de opróbrio, encolerada pelo crime que cometi - matar o Rei. Mais uma vez, Portugal vê-se envenenado por um compatriota, completamente destruída sem sucessores ao trono. Em princípio tornará ao comando dessa grande Pátria - Espanha. A mim muito pouco me importa, nunca fui pela política. É extrema esta sensação de medo, este terror por esta multidão que se move em uníssono na minha direcção, de todos os lados, cercando-me nesta praça de onde não posso fugir, por estar dependurado pelo pescoço. Atiram-se pedras, paus, ferem-me, rompem-me a pele que se desfaz cuspindo e cobrindo-se de sangue e um suor... um suor frio... arrepiante... de pânico, de uma fobia louca. A respiração parece-me faltar. Inspiro, mas não consigo encher os pulmões, pois logo expiro em gemidos de dor, de pânico, como um corredor da maratona ou um nadador que ansia por ar. Como foi possível, como é que o conselheiro do Rei o foi trair, o seu melhor pensador, o mais instruído e sábio de todos? E a que preço, porquê? Que loucura... - Se é isto que perguntam, deixem-me então, por uma vez falar, antes de me deixar silenciar para sempre.

A verdade é que uma vez este professor, este vosso génio teve de lutar para ser português. Teve de lutar para ser um de vós, para ser o vosso orgulho. Nasci no meio de vós, mas sempre me rejeitaram. Cresci a ver o meu pai abraçado à minha mãe - não em amor, mas em ódio - espandando-a no chão, uma mulher fraca de corpo e mente que amava o seu monstro. Vi a minha mãe morrer lentamente antes de o seu coração parar - coisa que ainda não aconteceu. Mataram a minha mãe à minha frente e nada fizeram. Esse assassino ainda por aí anda chamando-me de filho, e pensando que me pode dar conselhos. Conselhos, a mim, ao conselheiro do Rei... um assassino?

Como este crime, vi muitos outros, vi tentarem matar a minha inocente criança por questões religiosas ou legislativas. Fui acusado de práticas satânicas por ter um CD de música moderna, na minha antiga escola Salesiana. Ao ver um carro patrulha fazer uma inversão de marcha numa estrada de traço contínuo à minha frente, acelerei e não dei prioridade. Como poderá um estudante ser multado por um carro patrulha acabado de fazer uma transgressão. Talvez lhes devesse ter cedido prioridade.. Por conduzir um carro sem documentos, se ele precisa dele para se deslocar, foram multar o jovem já revoltado - ainda adormecido -, enquanto os agentes da lei cheiravam a álcool e a contra-ordenações eles próprios? Por estes e muitas outras coisas que vejo, como jovens matarem a nossa Língua Portuguesa e rirem-se de desdém.

Mas eu sou a verdadeira criança, o verdadeiro patriota. Sou a pessoa que viu o mal desde cedo e se comprometeu a destruí-lo, sem nunca ter desistido deste sonho. Deste meu pesadelo, para que fosse um sonho para as nossas crianças, para que não haja o meu pesadelo para eles também. E quem governa este país, que se diz chamar Portugal? E quem deixa isto acontecer? O Rei. Então a melhor maneira de destruir o mal, é destruí-lo por dentro, fazer-me conselheiro do Rei - ainda que isso me custe longos 30 anos de estudo, dedicação e reputação. Pois muito maior é o tempo que se demora a conquistar um lugar neste país, sendo bom ou mau, apesar de nele ter nascido e a ele mostrar todo o amor e carinho. Fiz-me o melhor que podia ser, fiz-me uma referência e o orgulho deste povo aqui à minha frente que até hoje disse pertencer-me. Hipócritas. Não para comigo, mas para convosco, que cresceram com o mesmo sistema de polícia, os mesmos pais e os mesmos educadores de medo e que nada fizeram. Matei o Rei, sim, e voltaria a matar.

Não interessa se o vosso sonho é bom ou mau, mas façam por ele. Sei bem que muitos são os caminhos que nos desviam, muitas são as mãos que nos puxam e empurram neste corredor da vida. Mas nunca mudem de direcção.

(longa pausa. silênio)

Pronto... Estou pronto.

(a multidão avança para ele lentamente...)

(cai o pano)

Wednesday 22 October 2008

Aulas na East 15

Vou fazer um resumo da minha semana de aulas para partilhar com outros sonhadores como eu, que lutam por um lugar nesta arte - o Teatro.

Basicamente, temos 4 aulas por dia, aulas de 1:50, entramos todos os dias às 9:00 e saímos às 6:10/6:30, horário muito idêntico à da Escola Profissional de Teatro de Cascais. Entre cada aula existe um intervalo de meia-hora e uma hora para almoço. Todas as aulas são no chão, ou em cadeiras, em círculo ou em movimento pela sala - nunca me sentei numa secretária.

Monday
Context - Teoria e História do Teatro. Discussão de temas e apresentação de trabalhos criativos. Neste momento estamos a dar Stanislavski.
Voice- Estamos a dar o corpo humano, e a fazer exercícios em pares, do género massajar o parceiro em todo o corpo à procura de ressonâncias, entender o corpo humano enquanto ser respiratório, etc....
Independent Study - Estudo independente: é aqui que vou descansar para casa da ressaca do fim-de-semana.
Independent Study.

Tuesday
Music - Canto e teoria musical. Ver vídeos, aprender a ler pautas por alto, etc...
Anatomy - Aulas parecidas com as de Voice, mas muito mais experimentais. Lidar com o corpo humano e lidar com posturas, criar emoções através do movimento. São aquelas aulas com música em que todos vestidos de preto mexem-se individualmente, experimentando o corpo e os seus limites.
Dance - Estamos a dar o Laban e o Alexander e as suas teorias de postura e movimento.
Articulation - Estamos a aprender o alfabeto de sons e consequentemente o RP (Received Pronounciation), o inglês ideal - sem sotaques, neutro.

Wednesday
Independent Study - Dormir mais um pouquinho.
Acting - Temos a Gerry, trabalhos o nosso passado, memórias e o nosso próprio ser. Muita improvisação.
Acting - Brigitte. Storytelling. Pegamos em notícias de jornal e tentamos recriar em pequenas apresentações na aula. Improvisação a dar com o pau.
Acting - Gerry. Continuamos com a mesma pesquisa pessoal, através de jogos e impros.

Thursday
Acting - Esta pode ser dada por qualquer professor. Como já deu para perceber, cada professor dá um tema dentro do Acting.
Acting - Sightreading. Não me lembro o nome da professora. Ler contos. Trabalhar entoações e leitura clara. Objectivo: Rádio.
Acting - Bobby. Sightreading. Ler peças. Estamos a ler uma adaptação do "Misantropo" de Molière pelo Martin Crimp.
Acting - Lauren. É canadiana, como a Gerry, mas ninguém gosta dela, porque é uma tontinha de vinte e poucos que aí anda. Ela faz aulas em que liga a teoria e prática das aulas de Voz e Anatomia com a interpretação de textos. Ninguém curte dela, porque estamos a fazer os mesmos exercícios que fazemos nas outras duas aulas e ainda nos vem perguntar o que é que aprendemos na aula, como resumo... Há quem responda que "nada". E ela fica lixada.

Friday
Laban - Juliete. Movimento e corpo puros em experimentação de sensações. Daquelas aulas em que com um charro o mundo faz sentido. Esta professora fez-me assistir à última aula toda, sentado, a mim e a mais dois, por termos chegado às 9:00. Quer que nos estejamos antes, para a aula começar às 9:00 em ponto. Ingleses...
Singing - Mike. Canto.
Acting - Beatriz. Máscaras. Máscaras. Máscaras. Máscaras.
Acting - John Gillet. Improvisação e técnica de Stanislavski. Pequenos exercícios com feedback instantâneo.

É claro que isto tudo é muito geral, porque cada aula é uma loucura e muitas vezes os professores querem fazer coisas novas (por exemplo, vamos ao Teatro, ou entrevistar pessoas para Londres-centro e depois recriá-las em projectos em ensemble que duram uma semana). E depois das aulas também há muita coisa gira... (equipa de futebol, Taekwondo - se tudo correr bem, só estou à espera da aprovação do concelho da escola para começar a dar aulas -, Yoga, Band-oke, Karaoke, e há sempre festa em casa de alguém todos os fins-de-semana).

East 15 faz parte da Universidade de Essex, ainda que isolada. É um Conservatoire pós-moderno com uns 8 diferentes cursos de Teatro, o que faz com que tenha uma reputação muito elevada (é uma das 5 melhores escolas do Reino Unido) com 10% de internacionais, e dois portugueses (ainda não conheci a Joana Rodrigues - lol). Todas as escolas de Teatro aqui são excelentes. Podia falar mais pormenorizadamente sobre o meu curso (Contemporary Theatre) em si - já que Community Theatre, Acting e Contemporary Theatre estão a fazer o mesmo, durante o primeiro ano -, mas isso já eram outros quinhentos paus.

O Passaro

Sobre o ombro vê-se árvores através da janela. Ao som de épocas de pobresa miserável, rompe-se pela noite dentro com olhos e energia de quem acabou de acordar. Aquele líquido cor-de-rosa que, misturado com outras coisas, faz rir tanta gente, beijar tanta gente, conhecer tanta gente, mergulhar em tanta gente, fazer amor com os olhos e a almas de muitos outros - ainda vestidos da cabeça aos pés.

É difícil de explicar, é difícil de pintar. É uma realidade que se vê, sente-se, mas que antes de se ver e sentir já se esqueceu. Esquecer o futuro, Carlos? Sim. É viver o Presente; e o Presente apenas. Vive-se o Presente como a única Dávida (presente) desta caminhada. E nestes campos de pecado, há sempre um anjo... um anjo que cativa. Neste caso é um anjo mau: é um anjo da cocaína, do tabaco, alcool e das palavras feias. Dança-se com esse anjo, massaja-se as costas, mas nunca se o beija - e como não, se ele muito pouco se obstruiria? - porque o medo de o perder mesmo antes de o ter é maior que a vontade. E porque há anjos que nos fazem sentir deuses, todos os princípes se ajoelham. E de joelhos, de cabeça baixa, sonha-se em dormir com ele e ninguém tem coragem de O enfrentar; não por respeito, mas por medo... medo de o perder. Sonha-se longe do paraíso e através da imaginação pisa-se a relva daquele sítio aonde os fortes vivem e só fechando os olhos é que nós, os fracos, podemos caminhar em Paz.

Sobre o ombro vê-se árvores através da janela, é verdade. Nelas poderiam pousar um pássaro para nos cantar, para nos encantar... mas nem assim o viríamos. Para quê as árvores, para quê os pássaros e - como qualquer Romântico - para quê a vida? Escrever é, ainda, das poucas formas de libertação. Para aqueles que nem Presente têm e que têm de sobreviver com a única coisa que lhes deram: uma célula independente que distribui o sangue por todo o corpo e que obriga esse mesmo corpo a viver... a acartar este sonho que ninguém escolheu e que só nós temos de viver.