O caos de brisas que aí anda. Em todo o lado, vindas dos espaços abertos, vêm brisas que dançam pelos campos, pelas cidades, pelos armários, pelo curto espaço entre dois lábios prestes a beijar-se - basicamente por todo o lado. Tudo é rodeado de vento, de brisas, de ar que dança; que dança não: mas que canta! Canta em vozes que fingimos não poder ouvir. O vento canta sobre aquilo que viu, que tocou, que presenciou. Só o vento pode dançar à volta do Mundo, ver todos ao mesmo tempo, e ao mesmo tempo falar-nos do que viu ou do que sente.
É o vento que tenta avisar a raposa para que saia da estrada, porque vem lá um carro. É o vento que tenta avisar o condutor que está a ir muito depressa para um dia de chuva e que, se tiver de travar por causa de algum animal no caminho, poderá perder o controlo do carro. Perder o controlo do carro. Perder o controlo do carro e dançar como o vento, sobre e sob o vento, entre ventos, até ir de encontro com algo que imóvel - algo que não quer dançar, algo que nunca prestou atenção ao vento. Mas apesar das danças loucas do vento, a raposa não se mexe e apenas sente o frio. E o condutor, de janela fechada, ignora a brisa que lhe bate na janela.
Passamos a maior parte da nossa vida a desprezar as brisas e os cheiros que nos dão. As pessoas do campo estão fartas das ventanias de aroma a pinheiros, tal como os pescadores estão enjoados do cheiro a mar. Mas o mar só cheira a mar, os campos só cheiram a pinheiros, porque o ar que por lá passeia colhe pequenas partículas desses mares e pinheiros, espalhando sobre as nossas cabeças, como fadas mágicas. Pois, agora já podemos acreditar em fadas. A verdade é que elas sempre existiram, apenas numa forma que nós sempre desprezámos: em brisa.
Nas danças do vento, muito desse ar é sugado pelos nossos narizes, partindo numa viagem louca no interior do nosso corpo, toca nos nossos órgãos, conta-lhes coisas sobre os outros órgãos que já viu - pois muita vezes inspiramos ar que já foi respirado - e sai, um pouco tonto de novo para aquela dança cuja coreografia não vemos, nem a música que podemos ouvir. Expiramos vento, muitas vezes em forma de som, para podermos contar histórias do que vimos, do que sentimos ou do que pensamos. Mas muito daquilo que se diz é mau, é feio - e se ouvires muito desse mal, despreza, pois não passa de vento. Mas também muito bonito é muito daquilo que se diz. Usamos assim as danças dessas pequenas partículas dançantes para nosso proveito. Mas a verdade é que temos de aprender a dançar, a ouvir cantar o vento. Falar menos, deixar o vento dançar mais. Ouvir a dança e a música da brisa e descobrir que o silêncio nunca existiu. Aqueles que se amam, que não o digam: que apenas se olhem nesse silêncio. Olhem-se apenas. E verão o poder do ar que dança à vossa volta e que, carinhoso e sensível como o vento é, se emocionará com o respeito que lhe estão a prestar, empurrando as vossas nucas suave e lentamente até que os vossos lábios se encontrem num beijo. Num beijo, em silêncio. Um beijo que todo o Mundo ouvirá através dos cantos loucos de felicidade das brisas para aqueles que quiserem ouvir.
E, por isso, quando estiverem num espaço aberto, nesse grande salão de dança, deixem-se envolver na música que não podem ouvir ou perceber, mas que - garanto-vos - podem sentir, pois ela está lá. E se a dança aumentar, se o ritmo da música ficar louco, se os pêlos se eriçarem do frio, não fujam de medo, pois está prestes a chegar o Mestre da dança. O Mestre da dança é a união de milhóes de ventos, de todos os lados: um enorme furacão que ameaça devorar tudo e todos, arrastando para os céus tudo o que tem peso e atirá-los lá de cima para o chão. E quando o furacão vos estender a mão, caso tenham esse privilégio, aceitem a dança. E dancem... em silêncio e com carinho, com amor. E assim adormecerão ao som da verdadeira música que existe na Natureza, numa dança que enfeitiça com o canto de histórias de amor. Histórias de amor de todos animais do Mundo, de todo o Mundo, de todas as forças, sussurradas aos teus frágeis ouvidos.
Aceita essa dança, ainda que seja a tua última.
Subscribe to:
Post Comments (Atom)
4 comments:
Comentário mais básico: Apaixonado?
Comentário que queria realmente fazer: Escreves como ninguém, senti-me a voar com o vento à medida que avançava com o texto, o som das palavras que ecoam na nossa cabeça também nos fazem voar...E as tuas sempre o fizeram.
Beijinho
dançar é amor. e tu descreveste bem
Há quanto tempo não lês um poema meu?
Volte sempre que quiser, gostei da postagem. Um apergunta: Por que não escreves um livro?
Post a Comment