Ora muito bem, o meu pai, quando andou sem falar comigo duas semanas seguidas na época em que eu fiz 20 anos, mandou pelo meu irmão um relógio da marca Sekonda, que está aqui a ganhar pó.
Eu sou o fulano que ficou muito contente quando recebeu o relógio do Rei Leão quando tinha 5 anos, lembro-me perfeitamente disso. Caso não me lembrasse do relógio, podia ir à caixinha de relógios estragados que eu tenho em Portugal, algures numa das caixas que está a resistir à humidade, debaixo das escadas, na casa da minha mãe. Agora não posso, mas se for lá de férias, porque nada é garantido quando se estuda e trabalha para se auto-sustentar, talvez. ("Não sou o primeiro, nem hei-de ser o último", já lá dizia quem sabe mais) Mas vá, fugindo da divagação que muito mais interessa a mim do que a vós, que me lêem (mas afinal para quem é que escrevo? para mim ou para vocês? - pergunta que distingue o tipo de artista), vou continuar com a minha história (true story). A verdade é que o meu pai estava receptivo ao comprar-me aquele relógio, porque eu o viria a partir... eventualmente. Bingo! Boa, Pai, mostraste que estavas certo! Quando fui para os balouços, rocei com o vidro do relógio do Simba na corrente do balouço e parti. Sim, aos 20 anos confesso que parti o relógio.
O meu pai fez o favor de me dizer que o relógio tinha durado apenas dois dias, ou lá o tempo que tinha passado desde que ele o comprou. Eu, que já estava triste por o ter partido, ainda consegui sentir culpado pelo que tinha acontecido, por ter desapontado o meu pai, que com a sua garrafa de Sagres, não sei se estava lixado pelo conto e quinhentos que tinha mal-gasto ou se aquilo era uma daquelas brincadeira, brincadeiras de adultos, que consiste em mandar bocas, quer os putos ouçam ou não.
Depois desse relógio, dos poucos que recebi do meu pai, muitos mais os que recebia de outras pessoas (pois ele assumidamente não confiava em mim para andar com uma peça de joalharia daquele calibre no pulso), acabava sempre por ouvir um presságio de sorte que mais tarde ou mais cedo se acabaria por concretizar. Quando não era isso, era a pergunta habitual: "chaves, telemóvel, carteira, óculos, boa!... E o teu relógio? Vais para a rua sem relógio?". Lá fazia ele lembrar-me que tinha de partir aquele aparelho. Cheguei a ter um Skin da swatch atropelado. Tinha 13 anos e o meu pai tinha estacionado mal para eu ir comprar a revista do Batatoon à papelaria. Ao entrar no carro, ouvi uma coisa a cair. Virei-me para trás e como o skin é transparente (e os meus sentidos não eram tão apurados como hoje - visto que a partir do momento em que a bolinha do piercing cai no chão da rua, consigo em fracções de segundo reconhecer a área em que caiu, e antes de parar de saltitar, já a avistei, o que me dá asas para a apanhar, algumas vezes, antes mesmo de parar por completo, ou seja: ainda em movimento), não vi nada, mas tinha a certeza que tinha ouvido algo a cair. Naquele momento de incerteza, porque não via nada no chão, mas tinha ouvido algo, o meu pai grita-me irritado pois estava mal estacionado. Entrei, arrancou.
Dias mais tarde, passei por lá e encontrei o relógio com a marca de um pneu, e mecânica quebrada. Acho que chorei, não lembro. Se fosse hoje, ria-me, mas na altura acho que chorei. Fui à procura de conserto, mas os skins não têm conserto, nem os atropelados.
Os anos foram passando, o meu pai mudou de país, e comecei a não fazer as coisas que ele me mandava fazer, nomeadamente usar relógio. Tenho o telemóvel, para que é que quero um relógio?
Anos, mais tarde, no último mês de Setembro, 2007, estava de novo a viver com o meu pai. Um daqueles dias ele perguntou-me: "não usas relógio?". Como adulto, ele percebeu que o filho dele usava o telemóvel para ver as horas. Gerações diferentes, o que é que se há-de fazer? Só quando os filhos começam a sair de casa conduzir e ter barba na cara é que os pais os parecem respeitar. Não são todos assim, eu sei, mas os meus são. Depois, discussão com o meu pai, expulsou-me de casa, blá-blá-blá fast forward, e estou a viver sozinho. Fiz anos e tenho aqui o Sekonda, um relógio simples e eficaz.
O que é que faço com isto? - pergunto-me. Troco por uns guitos na loja de penhores ou, simples e eficaz, mando o meu pai enfiá-lo no cú?
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4 comments:
A gaja da lua de joana recebeu tanto relógio nos anos que quando se começou a drogar tatuou um relógio na hora que ela própria considerou que o pai ia estar presente: Nunca. Não querendo ser rude, os três relógios mesmo estragados davam bem para...na zona anal...enfim...Eu amo-te??? isso é que me interessa saber!
Family Business.. tough and rough!
Guarda o relógio junto aos outros que estão avariados. Apesar de funcionar, é uma "prenda estragada".
Guarda-o como símbolo de aquilo que tu gostavas que o teu pai tivesse sido e ainda fosse.
Guarda-o com a esperança de um dia o usares. No dia em que tu e o teu pai se reconciliarem! No dia em que ele for aquilo que tu esperas dele e quiçá vice-versa!
Quem sabe.. um dia o sapo vira prícipe!
Humm..Recalcamento posso tirar da lista... =)
Gostei bastante do texto, mesmo.
Rapaz,
enche essa história de ironia e mete esse relógio debaixo dum alfa pendular Lisboa-Porto (no teu caso, sei lá, talvez Londres-Brighton?), para acabar, completa este happening com um sorriso sarcástico absurdo.
(mas não ligues às minhas ideias xD )
P.S.: "chaves, telemóvel, carteira, óculos, boa!"?
Se fosse assim tão fácil... Hoje em dia eu sou assim: óculos/lentes, carteira, chaves, pacote de tabaco, filtros do tabaco, mortalhas, isqueiro, artpen, lápis, moleskine agenda, moleskine notas e máquina fotográfica.
Enfim, dizem no café que sou o inspector gadget dos pequeninos.
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