As cócegas podem fazer rir, mas também podem irritar muita gente.

"Seja bem-vindo quem vier por bem!" e "se à porta humildemente bate alguém, senta-se à mesa com a gente!"

Recomendação Sonora

Saturday, 29 November 2008

O meu duplo

Ouço uma voz lá fora que me chama pelo primeiro nome. O meu primeiro nome não me pertence, nunca me pertenceu. Foi o nome que o meu pai regateou com a minha mãe em homenagem de alguém que lhe era muito especial. E foi assim que vim cá parar, cá dentro, para trazer de volta um grande homem que eu nunca conheci. Sou a sombra desse homem. Esse homem, também ele Carlos, não o odiei, nem nunca quis ser como ele: mas certamente invejei e invejo a sua unicidade. A sua voz deveria ter sido um apoio, um consolo em vida, mas nestes últimos poucos anos tornou-se em silêncio, num silêncio insurdecedor que me tormenta cada vez que alguém me chama.

Ouço uma voz lá fora que me chama pelo primeiro nome. Através da janela vejo nevoeiro, vejo nuvens que rastejam-se pelo solo e tentam penetrar em casa, nesta sala, neste espaço, dentro de mim, dentro do meu coração. No entanto, apenas nevoeiro e sombras vejo e nada mais. A voz continua a chamar-me. Chama-me como se eu fosse alguém muito especial, como se eu fosse adorado. Encantador é o significado que esta voz dá ao meu nome, a este nome que carrego como penitência, e que agora se mostra como dádiva.

Olho para a porta e antes de a olhar, sei que em breves momentos ela estará aberta pelas minhas próprias mãos, e estarei a olhar para ele, para a pessoa a quem este nome pertence. Não me restam alternativas senão abrir esta porta... esta porta que nunca abri e que vai ser aberta pela primeira vez de uma perspectiva que eu ainda não tinha experimentado - doutra percepção.

Arrasta-se o sofá e vira-se-lo de forma a ficar de frente para porta, ainda que a alguma distância. Sento-me no sofá e deixo o meu corpo ser devorado pelo sofá que me devora todo o peso do corpo. Pego no comando com a minha mão, aponto para a porta e carrego no botão que faz a porta abrir. Um silêncio até que a porta se abre.

Entraram nevoeiro, o espírito do meu nome, cães, amor e dor. Oh, quanta dor entrou. Despedaçado, voltei a carregar no botão que nas primeiras vezes não fez a porta fechar-se. Continuei a ser chicoteado pelo nome que de tanto me bater, acabou por me pertencer. Não por direito, mas por me ter agredido, ver chorar e implorar, conheceu-me enquanto ser selvagem - melhor do que ninguém - e a quem agora pertenço. Finalmente a porta fechou-se.

Apesar da porta ter fechado e todos terem saído, houve coisas que ficaram para trás. Para além do mais, fraco como sou, nada me impede de voltar a abrir a porta outra vez um destes dias... só para eu ter um pouco de companhia e, talvez, perceber porque é que me chamo Carlos.

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