As cócegas podem fazer rir, mas também podem irritar muita gente.

"Seja bem-vindo quem vier por bem!" e "se à porta humildemente bate alguém, senta-se à mesa com a gente!"

Recomendação Sonora

Thursday 24 April 2008

Instinto

Instinto é aquilo que nos torna diferentes. Que nos marca aos olhos dos outros, que nos afasta da massa de corpos que tende a seguir o resto do cardume. Não é ser do contra ou ser rebelde, mas é reconhecer a sua individualidade e diferença. É um beijo naquela pessoa, não por ser a mais bonita, mas por ser a única.

Ao caminhar pelas margens do rio Aqueronte, vi almas de gente que pagava até ao dia juízo final, por todos os pecados que haviam cometido em vida. Estendia-me os braços pedindo ajuda divina - eu, que apenas mortal sou. Sentei-me à beira das águas, para molhar os pés cansados de tanto andar. Essa gente que me olhava, continuava a pedir ajuda, pediam para reescrever o passado. Todos sabemos que podemos reescrever o passado em papel, mas jamais enganaremos o tempo. Cegos são aqueles que ignoram que reescrever o passado é ser empurrado ainda com mais força para o futuro. Comecei a lavar os pés.

Passei as mãos pela água castanha de sangue e dor, lavando a sujidade que tinha nas mãos. A sujidade que fiz durante a minha caminhada. Lavei os pés, então, começando pelos dedos com unhas quebradas, irregulares. Nisto reaparecem mais corpos da água, mais almas penadas, que se voluntariaram a lavar os meus pés. Eu sabia o que eles queriam, mas não posso praticar acções que me ultrapassam. Deixei-os lavar os meus pés suavemente. Suavemente me massajavam, suavemente me lavavam as partes do meu corpo que fizeram sempre que eu estivesse de pé, e que sempre me guiaram para a frente, até aqui. E eu sou apenas um mortal e, como tal, não os poderia ajudar naquilo que eles realmente queriam.

Continuaram a lavar-me os pés com um cuidado e suavidade recompensadoras. Por aquele momento, era capaz de voltar atrás e fazer o caminho todo de novo. Suavemente me lavaram os pés, os joelhos, as coxas... Lavaram-me o corpo todo. O peito, os braços, a cabeça. E tão bem que soube aquele banho. Por aquele banho, ansiava eu desde o momento em que tinha nascido, descobri ali a minha missão no Mundo, a razão para eu ter nascido. Quando dei por mim, estava no meio deles, abraçando-os, beijando-os, homens e mulheres, crianças e velhos, almas, muitas almas, que me sufocavam de uma paz que vim a descobrir que era Eterna. E eu que era mortal, a única coisa que lhes tinha a dar era o meu sacrifício.

Instinto é aquilo que nos guia pelos diferentes caminhos. Nascemos todos iguais, vivemos todos de maneira diferente, mas voltamos à Terra de maneira igual. Os meus únicos instintos são nascer e morrer. Um já está. E para o outro, por mais que tentem reescrever, continuará sempre a ser... uma questão de tempo.

1 comment:

Teresa Raquel said...

Ultrapassar as espectativas de todos os que te lêem... Já tinhas conseguido..mas isto é muito mais que ultrapassar espectativas... Muito mais que tudo...
Parabéns...
Tomei um banho.
E só te amo... ao ler-te: mais e mais.