O senhor velhinho sempre gostou muito de andar de bicicleta, mas tinha um enorme defeito que irritava a senhora sua esposa que, com muito carinho, ia com ele passear todas as manhãs por esses campos fora - ele distraía-se com todas as árvores, especialmente com os pinheiros, e ia ficando sempre para trás. A senhora esperava pacientemente por ele, que ficava a olhar para as árvores, imerso em pensamentos que o afastavam do Mundo e do Tempo. A senhora sempre esperou.
Numa tarde, ao chegar a casa do habitual piquenique durante o passeio de bicicleta, o senhor teve um acidente: a corrente da bicicleta partiu-se, e, teve de ir a pé empurrando-a nos trinta metros que faltavam para chegar a casa. No dia seguinte, não deixou que a consertassem e passou a ir a pé, ao lado da mulher. A mulher pediu-lhe várias vezes que consertasse a bicicleta, porque ela gostava muito de andar de bicicleta, mas o velho tinha esta teoria de que aquilo tinha-lhes acontecido como uma dádiva, pois estavam cada vez mais velhos e andar só lhes fazia bem. E, apesar de ser uma das coisas que mais gostava de fazer, sentia-se mal ao ver o marido caminhar ao seu lado e por isso abdicou de ir a pedalar, também.
Mas o velho, nem por ir a pé, se apressava nas a olhar para as árvores que segundo a mulher eram "sempre as mesmas". Assim, com o cestinho da merenda, começaram a chegar a casa cada vez mais tarde. A velha sentia-se exausta e começou a não ir todas as vezes com o seu marido. As caminhadas pareciam ser longas, apesar dos trechos serem menos extensos, pois o velho parecia demorar mais e mais enquanto se deslumbrava silenciosamente a olhar para as árvores. Especialmente com os pinheiros.
Uma tarde, o velho chegou a casa e teve de fazer o jantar para ele próprio, pois a velhota tinha morrido enquanto ele estava fora, a contemplar as árvores, especialmente os pinheiros. A mulher tinha morrido, porque já estava muito velhinha. Por aquela altura, ela já tinha as pernas muito cansadas, e só inexplicavelmente é que o velho ainda tinha forças para sair. Daquele dia em diante, o velho começou a sair mais cedo de casa, porque tinha de tratar das tarefas domésticas agora sozinho, mas com o mesmo vigor de sempre.
Hoje, vim do trabalho, já à noitinha, porque fiquei a fazer horas para meter a papelada toda em dia - esta semana tem sido uma loucura. Na vinda, quase no meu prédio vi um velho a olhar para as árvores, na rua. A noite aqui é um pouco fria, e o velho estava apenas com uma camisa. Achei estranho ver um olhar tão atento para as árvores, especialmente no frio que ali estava.
Mas, com a pressa de chegar a casa, não me detive mais a olhar para ele, e vim para casa - quase como se estivesse a correr de bicicleta. Mas aquele senhor, de qualquer forma, atormentou-me... Como é que uma pessoa pode ficar tanto tempo a contemplar árvores? E, no entanto, ele ainda está lá fora... a olhar para um pinheiro.
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4 comments:
mt bonito! por acaso gosto de ver arvores tb. o meu beijinho*
Vou para o Alentejo ver velhotes sentados à sombra dos 40º a ver passar os espanhóis que planeiam uma invasão.
=`) destes eu gosto.. Viste mesmo um senhor a olhar para as árvores?
As árvores... Aquelas que envelhecem vestindo e despindo folhas e mais folhas... mas que continuam a ter sempre a mesma raíz...
Amor é continuar a ter forças para sair de pernas velhas e cansadas só porque as raízes se foram afundando cada vez com mais força só porque aquela pessoa as afundou conosco... despindo e vestindo folhas... muito velha mas imortalizando-se nas àrvores.
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