Havia um pássaro que vivia na Torre de uma Igreja. Chamava-se Pequeno Pássaro. Um dia, o Pequeno Pássaro saiu do ninho à tardinha, porque tinha de ir fazer pela vida. Todos os pássaros dirigiam-se para Sul, fora aqueles que de lá voltavam. O Sul era um sítio especial. Não é que o Pequeno Pássaro gostasse muito, mas era um dever. Todos os outros pássaros que iam ao Sul e voltavam acabavam sempre por chegar felizes, cheios de histórias para contar, com presentes para todos os outros. Presentes e lembranças.
Lembranças de quem esteve para aqueles que não poderam estar.
Ir para o Sul, para além de ser um dever, para a maioria dos pássaros, era um privilégio, uma honra! Porque há certas coisas que dignificam um pássaro. Assim, olhando para o céu cor-de-pôr-do-sol, viu as pintas velozes que batiam as asas ao ritmo do coração. Ao ritmo de um coração pequenino, pequenino de pássaro, mas cheio de vontade de fazer e acontecer e (quiçá) contar aos outros. Porque, como tudo na vida, há coisas que não fazemos por nós, mas que fazemos pelos outros. Para que os outros nos reconheçam. E atirou-se ao vento, batendo forte as asas. Juntou-se à nuvem de pássaros, e desapareceram todos naquela linha que vai-se afastando cada vez que nos aproximamos mais.
Tempos mais tarde, o Pequeno Pássaro voltou. Já não era Pequeno, mas sim, um Grande Pássaro. Estava mais elegante, com as penas mais coloridas, com as asas mais compridas e fortes, e um bico redondo e robusto. Para além disso, vinha mais fisicamente constituído, parecendo um Pássaro Grande Demais, até. E, ao chegar ao ninho, viu que todos os outros pássaros que tinham ficado continuavam na mesma. Sempre na mesma rotina, sempre no antigo, velho e ultrapassado. Continuavam franzinos. O Grande Pássaro percebeu que nem precisa de se gabar do que tinha feito, e que até podia dizer mentiras e mais mentiras, que os outros, devotos e crentes, sempre acreditariam e o invejariam. Por tudo o que ele tinha feito e eles não. Pelo desconhecido que ele é capaz de descrever, porque para ele já não é desconhecido. O Grande Pássaro percebeu, mais uma vez, que tinha crescido. Tinha crescido de forma definitiva, de uma maneira que nenhum outro pássaro o poderia desclassificar - ele tinha conquistado o pódio da vida.
E, todos os outros que lhe pediam para que lhe contasse como era o Sul, não perceberam porque é que ele vinha calado, e sem nada para contar. O Grande Pássaro queria voltar a ser Pequeno. Como ele sempre temeu, o Sul finalmente tirou-lhe aquilo que ele tinha de mais valioso. E no sino da Torre da Igreja bateu a meia-noite.
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4 comments:
É impressão minha ou és muito amigo de LSD?
Ultimamente andas com uns posts bem marados (refiro-me ao do ping pong principalmente hehe).
Cumps
Gostei bastante do post, muito bom :)
Quando contas a historia, referes-te a infancia e a inocencia?
adorei a historia , e é muito bom aprender com historias.um bj
Quem te classificou pássaro ainda está para fazer a sua viagem ao sul. =) Amo-te muito sabes?
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