As coisas que se passam na cabeça de Filipa, de quarenta anos, podem assustar qualquer Messias, quer pela obscuridade, quer pela sinceridade. Há uma grande ligação, uma forte ligação entre ela e as pessoas que ela ama. Não é por as amar ou por ser recíproco, mas talvez por ela ter um sentimento de culpa que mina a sua cabeça todos os dias, faz com que ela se ligue fortemente àqueles que a tratam com carinho - como se tivesse a pedir desculpa - devolvendo esses mesmos carinhos, acabando por se apaixonar.
Aos quarenta e um ano resolve, ela, então, abrir a carta que tem desde há já algum tempo. A carta traz o resultado de umas análises de sangue. Ao que parece, tinha ela vinte e poucos anos quando engravidou. O que ela nunca contou ao seu então já marido é que ela tinha-o traído, numa noite com as amigas, noite errante, e aquela gente que hoje faz em breve dezoito anos tanto pode ser de um homem, como do outro. A verdade é que ela sabe - as mulheres têm sentidos que os homens não - perfeitamente que o filho não é do pai, ou seja, o pai não é o pai do filho, que é como quem diz: nem um nem o outro sabe que não se pertencem. Talvez por essa ansiedade desgostante que a mói, ela passou toda a sua juventude ignorando (ou a tentar) - pois as mulheres têm sentimentos que os homens não conseguem; deixo a cabo leitor do leitor escolher se me refiro ao que está entre parênteses ou ao que está fora - aquele pedaço de papel embrulhado em outro pedaço de papel, tanto um como outro pedaços de árvore já foram. A juventude de uma mulher tem um valor eterno que só a toda raça humana e a Mãe-Natureza podem lutar por perceber, já que fazem parte de uma fracção mínima desse ser: a mulher. E se a mulher é um infinito de valores e amor, o corpo da mulher na sua juventude é tudo o que há de melhor no Universo. É a Beleza da Lua fresca de prata que procura o quente do corpo do Sol de bronze.
Se uma mulher depende de um envelope fechado sem nunca o abrir, não se libertará jamais. É preciso ser aberto. Hoje, aos quarenta e um anos, abre o envelope para descobrir que perdeu a juventude. Realmente, o Pai da criança sempre foi o Pai da criança. Aquela criança que dentro dela cresceu para um dia vir a nascer com uma boca carente procurando os seus peitos; aquela criança é que nunca foi dela.
A carta ficou salgada e a mãe ficou órfã de filho e marido.
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1 comment:
gostei muito deste.
aquilo que se perde...
gosto do teu elogio feminino, gosto mesmo.
*
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