Levavas-me o pequeno almoço à cama de manhã. Nem eu sou uma pessoa de manhãs, nem de pequeno-almoços, mas acordava para os tomar. O mesmo se passava contigo, se fosse por outra pessoa - nem mesmo por ti - deixavas-te ficar com a almofada confortando a tua cabeça. Tomávamos aquelas torradas e leite e voltávamos para a cama tomando-nos um ao outro, antes de voltar a adormecer. Quantas vezes acordámos ao pôr-do-sol, quantas! Vestíamo-nos devagar para passearmos à beira do rio, à beira da praia ou até ao jardim. Costumavas cantar para mim e eu para ti, ou pelo menos esforçava-me. Mas o frio sempre foi mais forte e obrigava-nos a voltar para casa, para a nossa casa, para o quarto, para o nosso quarto, para a cama, para a nossa, para nós. Passámos muitos dos dias da nossa juventude a fingir que aproveitavamos todas as coisas da vida, enquanto na verdade sugavamos era apenas o Amor até ao tutano. Mas que coisa mais importante, melhor na vida, senão o amor? Crescemos em sementes de amor, eu homem e tu mulher.
Hoje paguei a última renda da nossa casa, após vinte e cinco anos. Vinte e cinco anos! Vinte cinco anos é mais que uma vida; basta olhar para o nosso miúdo mais velho que já namora e qualquer dia casa. Casa e tem filhos! Oh, já imaginaste, nós avós? Qualquer dia ninguém acredita que fomos jovens. Estaremos sentados nas nossas cadeiras de verga, nos anos oitenta, balouçando ao ritmo do ponteiro dos segundos, balouçando até o tempo parar para nós.
Quase que me esqueço quem me ensinou a cozinhar, quem me obrigava a sair de casa, tal era a minha necessidade de agradar. Passeio à beira-rio, à beira-mar, pelo parque com os cisnes que eram mais teus do que meus e com os esquilos que saltitam até hoje. Há coisas que nunca vão mudar, apesar de tudo. São essas as memórias de uma vida que vai lá atrás, bem atrás nas gavetas do passado, como se tivessem sido sonhos, tudo enevoado. Mas quando vou à cozinha de manhã e sinto o cheiro das torradas do vizinho, lembro-me do tempo em que a manteiga vinha em outro tipo de pacotes, do pão fresco de antigamente, do leite quente com chocolate. Lembro-me dessas pequenas maravilhas que vinham numa bandeja fumegante com um beijinho - sempre mais um beijinho - e um "bom dia, meu amor".
Quando a cadeira continuar balouçar apesar do meu relógio ter parado, vai demorar tempo às outras pessoas para perceberem o que se está realmente a passar. Porque a cadeira continuará a balouçar, a balouçar, a balouçar, a balouçar como se fossem réplicas, réplicas e mais réplicas de um sismo catastrófico, um sismo que criaste dentro de mim e que nunca vai parar de mexer com o meu coração.
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