Quando me deito lembro-me das coisas mais fascinantes e fortes da minha vida, como das coisas mais simples e menos importantes. É sempre quando estou cansado e naqueles cinco minutos que me dá vontade de escrever algo que acabo de me lembrar, mas como dou apenas alguma importância àquilo que corre na minha mente, pois tal é o hábito após este tempo todo que me acompanha, viro-me para o outro lado e tento dormir, apesar dos cinco minutos às vezes se tornarem dez, quize ou vinte.
A última vez que fechei os olhos para dormir, fiquei com a visão da minha mãe a tentar esfaquear o meu pai. Tinha eu seis ou sete anos e foi provavelmente a primeira vez que sacrifiquei a vida por alguém. Anos mais tarde, por volta dos meus nove, vi o meu pai fazer um colar de dedos à volta do pescoço da minha mãe na casa-de-banho, e a cortina da banheira mais uma vez a cair - não me recordo se foi antes ou depois do nascimento do meu irmão, ou sequer se a minha mãe estava grávida dele, mas sei que foi por essa altura. Também me lembro de empurrar a minha mãe para fora do meu quarto - tinha eu cerca de quinze anos e o meu pai já tinha fugido para outro país - com tal força que ela se cortou nas costas, presa com o casaco de rendas na maçaneta ponteaguda da porta - uma cicatriz que tem até hoje. Também me lembro de quando a minha mãe perdeu a voz, tinha eu dezanove anos, e explicou-me que o namorado dela tentou sufocá-la, mas quando chamei a polícia para queixa de violência doméstica ela preferiu retirar a queixa.
Quando me deito isto são algumas das coisas que me lembro. Com imagens assim, como é que uma criança pode dormir? Não fossem elas também parte de mim e normais há já algum tempo, pergunto-me se seria capaz de dormir. Apesar de ter medo que o meu pai entrasse pela porta e começasse a partir o meu quarto pelos motivos que ele defendesse no momento, apesar de não saber se a minha mãe voltaria a ser espancada, apesar de não saber se eu e o meu irmão também, sempre consegui dormir. Dormi sempre sobre o assunto. Muitos foram os anos em que eu acordei com esse tipo de imagens. Hoje em dia, deito-me com elas.
Mas, pela personalidade, pelos mecanismos de defesa do ego, não sei, consigo sempre dormir, tal como sempre consegui dormir com medo. Hoje sou amigo do medo e por ele sinto uma enorme atracção.
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3 comments:
Tanta força... tanta coragem... :| saber lidar com o medo é uma grande aprendizagem... os dramas afectam smp as pessoas, geralmente de forma irreparável... umas pessoas tornam-se amargas e frias e outras retiram deles aprendizagens que fazem delas pessoas melhores e até especiais... são opções! a tua parece evidente... ;)
muito obrigada pelo comentário no meu blog ;)
gosto mt da forma como escreves!
Homem, nunca sei se o que escreves e verdade ou fruto da tua imaginacao... Tambem nao tenho muito a ver com isso e nada interessa. Escreves muito bem, eu gosto de ler!
Eric
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