No quarto do lado vive um português como eu. Faz muito pouco barulho, toma banho a horas que ninguém sabe, e nem sabemos mesmo se ele chega a cozinhar, se come fora, ou sequer se come tal é a raridade com que o vemos na cozinha.
Tem a minha idade e nasceu em Lisboa, tendo sido criado a maior parte da sua infância em Cascais, o que nos tornou muito próximos desde o início. Como sofro de "sonos trocados" durante as férias, tal é a ausência de compromissos que tenho, muitas vezes bato à sua porta, aonde ele me deixa entrar e ficamos a conversar noite a dentro.
Muitas vezes falamos das pessoas que deixámos em Portugal, os nossos amigos e é engraçado como a tão larga distância podemos ter no quarto do lado alguém que conhece as mesmas gentes que nós. É difícil explicar esta ligação aos nossos outros companheiros de quarto, já que vêm eles todos de lugares diferentes e, estando sozinhos, poucas alternativas têm eles senão enviar-nos olhares estranhos, quase acusatórios. Já muitas vezes a meio da noite vieram bater à nossa porta e disseram-me para falar mais baixo, muito revoltados, que era tarde e queriam dormir. E nós tentamos sempre respeitá-los.
Por volta de há três semanas, ele deu-me o meu primeiro beijo. Devo confessar que tantas horas de conversa tornaram-nos muito próximos e eu comecei a sentir uma atracção por ele. Não era uma atracção física, mas emocional. Era um carinho que me dava vontade de lhe fazer festas no cabelo e dormir abraçado àquele rapaz que tanto me dava prazer. Isto sempre foi uma coisa que reprimi. Nunca consegui perceber bem o que sentia até ao dia em que ele me beijou. Aí fez-se luz e comecei a perceber que os olhares dos nossos companheiros de quarto aperceberam-se do que se passava connosco ainda primeiro do que eu próprio, inocente, jovem e inexperiente no mundo da homossexualidade. Já sabia que o amor não tinha fronteiras e que, talvez por isso, os anjos não tivessem sexo nem idade, mas nunca fui capaz de me aproximar daquele rapaz da forma como ele se aproximou de mim, beijando-me e dando-me a conhecer uma nova forma de prazer.
Os nossos encontros começaram a ser mais frequentes, naturalmente, e mais longos. Passaram a ser sempre de noite, por volta destas horas, para não acordarmos os outros dos seus sonos profundos e podermo-nos entregar um ao outro como tanto nos mereciamos. Foi assim que perdi a minha virgindade mais uma vez. Foi assim durante as três últimas semanas, maravilhosas, secretas e perpétuas. Um homem como gosta de outro dá um prazer ao seu parceiro que nenhuma mulher poderá alguma vez dar. Não acredito que passei a desprezar as mulheres, nem tão pouco, mas certamente que comecei a valorizar o homem de outra maneira - talvez da mesma maneira como as mulheres que passaram pela minha cama me valorizavam a mim, aos seus ex-parceiros e, até mesmo, os seus amantes.
Há poucos minutos, estávamos a fazer amor, no seu quarto, porque a minha cama é de casal e gostamos de dormir agarradinhos. Bateram à porta abrindo-a de súbito, e eu cobri-nos de súbito com a manta, porque estávamos os dois nús e não queria que fossemos vistos num acto que é íntimo e não deve ser partilhado. Que indignação! Entrar no nosso quarto assim, com que autoridade, que falta de respeito!
O alemão perguntou o que é que estávamos a fazer, coisa que era evidente e escusava resposta. Ele insistiu com a pergunta, mas desta vez dirigindo-a só a mim. Olhei-o nos olhos e disse-lhe aquilo que ele queria ouvir. Ele voltou para o seu quarto e fechou a porta.
Quando voltei para o lado para abraçar e confortar o meu homem, ele já não estava lá. De repente senti muito frio, muito frio, um gelo enorme. Quando liguei as luzes do quarto, olhei para a cama e vi um colchão com apenas um lençol em cima. Os meus braços estavam frios, roxos de tanto frio. Caiu uma lágrima que ainda não sei se veio do tecto ou do olho esquerdo: no quarto do lado, não havia ninguém, nunca houve durante aquelas noites todas. Em pé, ali, a olhar para mim, estava apenas eu.
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6 comments:
Que texto brutal, Balbino, de tal forma que nem sei bem o que comentar, simplesmente que adorei lê-lo.
Um abraço!
O aconchego é o complemento do amor e sem frio também há lágrimas... mas estamos vivos!
Com muito amor, Dig Dig Dig
Sim balbino, texto muito bom! Confesso que ja ca nao vinha ha algum tempo!
Eric
Poderoso!
Awesome
po-ten-te
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