Wednesday, 31 December 2008
Sou Cascais
Sou Cascais.
Sou os jardins do Visconde da Luz com as suas laranjeiras.
Sou o rio que corre secretamente por baixo dela e que se liberta na praia da Baía.
Sou a praia dos namorados por baixo da Marina de Cascais.
Sou a lenda do Anão Amarelo que nunca há-de morrer.
Sou mais que os pavões; sou também os cangurus no parque Marechal Carmona.
Sou a biblioteca para crianças à qual devo o Moby Dick e as Aventuras de Asteríx e Obelix há mais de 12 anos - livros que nunca cheguei a ler.
Sou no palco do Gil Vicente todos os anos no Teatro de Natal da Escola.
Sou o campo pelado de futebol da Torre. E o do Cascais também.
Sou o Mexilhoeiro... Oh, o Mexilhoeiro.
Sou o pinhal aonde fazíamos as cabanas.
Sou os Delfins e os Primitive Reason.
Sou o British Council.
Sou o Pérola Negra estacionado durante 7 meses à frente do Dramático antes de ser rebocado.
Sou o nome que todos os estudantes de Cascais já ouviram falar pelo menos uma vez - os professores, as freiras e os padres, esses já ouviram de certeza e não vão esquecer.
Sou um rapaz sem fotografias que cresce em Cascais e se esconde numa escola de Teatro por três anos, antes de fugir para outro país.
Quem era ele? Ele é Cascais.
Porque se foi embora? Ele está sempre presente.
Quando voltará? Quando ele for uma pessoa melhor.
Ele lembra-se de nós? Ele é vós!
Tuesday, 30 December 2008
Companhia
A paz de espírito que uma pessoa alcança a ouvir blues e a ler um livro é rara e preciosa. Não deveriam haver paredes, nem valores como o respeito que quebrassem a felicidade de uma solidão bem acompanhada. Mas há sempre alguém que não gosta, há sempre alguém insatisfeito que nos faz desligar a música por capricho - como se o bater do coração num contra-tempo fosse errado e devesse ser abulido. E quando me dizem "bom dia", estão a arriscar a própria vida, pois eu sou uma criatura nocturna, aonde as regras existem para serem quebradas e exploradas. É nestas alturas, na nossa fraqueza, na nossa exposição, que podemos explorar o quão forte os outros são, o quão persistentes conseguem eles ser. Há coisas que não devem ser feitas e, para muitas dessas coisas, poucas regras há. Há regras que se diz para serem cumpridas e essas são aquelas que eu mais gosto. Gosto das regras que me impedem, que me derrubam. Só com elas é que me poderei exercitar, só com elas é que os outros se poderão manifestar como fortes.
No jogo do gato e rato, o mais fácil é ser sempre o rato. Mais fracos são aqueles que se julgam fortes e escrevem regras. Como sei da verdadeira fraqueza por detrás daquela cara feminina, cabelos escuros e longos que me pede silêncio, fico dividido entre a minha revolta e a compaixão. A compaixão pode também ser um pretexto para o comodismo de "cumprir as regras", eu sei - e isso complica-me ainda mais. E, naquilo que nem sequer devia ser uma guerra, porque ela naturalmente já está a dormir, sinto-me derrotado, porque quero continuar, mas as paredes não me deixam. Ela pensa que não a vejo através das paredes. E tem razão. O que ela desconhece é a minha potencial capacidade de a observar durante o sono - era só eu querer. Na cabeça dela, para já, tenho o poder de o perturbar. Rescindo todos os meus poderes a um só: continuar acordado, enquanto os outros dormem, como se eu tecesse os sonhos que os outros vão vivendo de olhos fechados, imóveis, quietos, como mortos enquanto eu vivo.
Não se combate o instinto. Há guerras que não se ganham. Eu hei-de continuar a inspirar de noite e ela de dia. Bem poderá bater às minha porta as vezes que quiser. Poderá levar-me ao seu quarto e mostrar-me o quão finas as suas paredes são, tal como o seu sono. Mas esta vontade, que nem eu domino, ela não pode controlar. E ela sabe disso. Tanto sabe, que agora não consegue dormir. E fica acordada no seu remorso a tentar adormecer. Vai ela perceber que é preciso berrar para ter silêncio. Talvez ainda não, talvez seja um pouco cedo para perceber tal complexidade política, mas vamos fazê-la sentir um pouco.
Monday, 29 December 2008
Sonhos
Alguém sabe?
Passagens de Ano - faltam só 12 meses para a próxima. E depois mais 12 meses. E depois mais 12 meses. E depois é só os seguintes 12 meses. E depois ..
Saudades das melhores noites de cascais ? Pois bem , o COCONUTS vai reabrir em grande na noite do dia 31 de Dezembro . A partir das 20h até as 6h . 30 euros com convite e 3 bebidas ; 15 euros sem convites e sem bebidas . Para mais inf. fala comigo . Boas entradas !
I say:
Como é que o pessoal que não tem convite paga menos?
I say:
Eu logo vi que aí havia rato....
Joana says:
paga e nao tem direito a bebidas
I say:
3 bebidas? 5 euros cada uma. ahaha
Joana says:
pagas os 15 euros e para alem dos 15 pagas o que consomes
Joana says:
pagas 30 , tens 3 bebidas , ficas a ganhar
Joana says:
mais
I say:
Amor, se eu for sem convite, posso levar uma garrafinha escondida e só pago os 15 da entrada, enquanto que se levar convite, estou a obrigar-me automaticamente a gastar mais 15 consumindo ou não, com garrafinha ou não.
Joana says:
como queiras, limitei me a passar a mensagem
I say:
Mas concordas ou não? É mais caro se tiveres convite.
I say:
O que se passa, se calhar, é como há imenso rebanho a ir para o sítio, o pessoal do convite tem prioridade. Mas em contrapartida é o que paga mais. Tem de haver um equilíbrio. E essa maneira de produzir o carcanhol não engana ninguém.
Joana says:
é mais caro mas la dentro compensa pq todo esse dinheiro que tu pagas e para beber
Joana says:
enquanto q sem convite pagas 15 MAIS consumo
Joana says:
portanto na minha opiniao nao ficas a perder
I say:
Ficas sempre a perder. É atirarem-te areia para os olhos, bebé.
I say:
Se eu não quiser beber e não tiver bilhete, pago só 15, certo?
I say:
No entanto, posso ficar agarrado, porque tenho de dar prioridade aos caramelos com o bilhete.
I say:
Por outro lado, também estão a pagar o doubro pela entrada. Recompensa: toma lá três bebidas. ahaha
I say:
Quanto é que tu, que estás a divulgar, é que vais pagar?
Joana says:
30 euros
Joana says:
vou acabar la a minha noite
Que esta conversa não me levava a lado nenhum, já eu sabia, mas não há nada melhor que testar o inimigo capitalista para ver como ele funciona (ou porque é que ele não funciona). Mas com uma conclusão destas, o que é um tipo bem intencionado pode fazer? Há coisas que nos ultrapassam. Ele há sempre um peixoto mai' grande.
Isto não é contra-publicidade, porque isso continua a ser guerra, claro. Isto é apenas uma reflexão.
Don't think out or inside the box. Be the fucking box - that's the only way to destroy it.
Sunday, 28 December 2008
E tu, já rezaste hoje?
Monday, 22 December 2008
O quarto do lado
Tem a minha idade e nasceu em Lisboa, tendo sido criado a maior parte da sua infância em Cascais, o que nos tornou muito próximos desde o início. Como sofro de "sonos trocados" durante as férias, tal é a ausência de compromissos que tenho, muitas vezes bato à sua porta, aonde ele me deixa entrar e ficamos a conversar noite a dentro.
Muitas vezes falamos das pessoas que deixámos em Portugal, os nossos amigos e é engraçado como a tão larga distância podemos ter no quarto do lado alguém que conhece as mesmas gentes que nós. É difícil explicar esta ligação aos nossos outros companheiros de quarto, já que vêm eles todos de lugares diferentes e, estando sozinhos, poucas alternativas têm eles senão enviar-nos olhares estranhos, quase acusatórios. Já muitas vezes a meio da noite vieram bater à nossa porta e disseram-me para falar mais baixo, muito revoltados, que era tarde e queriam dormir. E nós tentamos sempre respeitá-los.
Por volta de há três semanas, ele deu-me o meu primeiro beijo. Devo confessar que tantas horas de conversa tornaram-nos muito próximos e eu comecei a sentir uma atracção por ele. Não era uma atracção física, mas emocional. Era um carinho que me dava vontade de lhe fazer festas no cabelo e dormir abraçado àquele rapaz que tanto me dava prazer. Isto sempre foi uma coisa que reprimi. Nunca consegui perceber bem o que sentia até ao dia em que ele me beijou. Aí fez-se luz e comecei a perceber que os olhares dos nossos companheiros de quarto aperceberam-se do que se passava connosco ainda primeiro do que eu próprio, inocente, jovem e inexperiente no mundo da homossexualidade. Já sabia que o amor não tinha fronteiras e que, talvez por isso, os anjos não tivessem sexo nem idade, mas nunca fui capaz de me aproximar daquele rapaz da forma como ele se aproximou de mim, beijando-me e dando-me a conhecer uma nova forma de prazer.
Os nossos encontros começaram a ser mais frequentes, naturalmente, e mais longos. Passaram a ser sempre de noite, por volta destas horas, para não acordarmos os outros dos seus sonos profundos e podermo-nos entregar um ao outro como tanto nos mereciamos. Foi assim que perdi a minha virgindade mais uma vez. Foi assim durante as três últimas semanas, maravilhosas, secretas e perpétuas. Um homem como gosta de outro dá um prazer ao seu parceiro que nenhuma mulher poderá alguma vez dar. Não acredito que passei a desprezar as mulheres, nem tão pouco, mas certamente que comecei a valorizar o homem de outra maneira - talvez da mesma maneira como as mulheres que passaram pela minha cama me valorizavam a mim, aos seus ex-parceiros e, até mesmo, os seus amantes.
Há poucos minutos, estávamos a fazer amor, no seu quarto, porque a minha cama é de casal e gostamos de dormir agarradinhos. Bateram à porta abrindo-a de súbito, e eu cobri-nos de súbito com a manta, porque estávamos os dois nús e não queria que fossemos vistos num acto que é íntimo e não deve ser partilhado. Que indignação! Entrar no nosso quarto assim, com que autoridade, que falta de respeito!
O alemão perguntou o que é que estávamos a fazer, coisa que era evidente e escusava resposta. Ele insistiu com a pergunta, mas desta vez dirigindo-a só a mim. Olhei-o nos olhos e disse-lhe aquilo que ele queria ouvir. Ele voltou para o seu quarto e fechou a porta.
Quando voltei para o lado para abraçar e confortar o meu homem, ele já não estava lá. De repente senti muito frio, muito frio, um gelo enorme. Quando liguei as luzes do quarto, olhei para a cama e vi um colchão com apenas um lençol em cima. Os meus braços estavam frios, roxos de tanto frio. Caiu uma lágrima que ainda não sei se veio do tecto ou do olho esquerdo: no quarto do lado, não havia ninguém, nunca houve durante aquelas noites todas. Em pé, ali, a olhar para mim, estava apenas eu.
Sunday, 21 December 2008
Quando me deito, durmo sobre o assunto
A última vez que fechei os olhos para dormir, fiquei com a visão da minha mãe a tentar esfaquear o meu pai. Tinha eu seis ou sete anos e foi provavelmente a primeira vez que sacrifiquei a vida por alguém. Anos mais tarde, por volta dos meus nove, vi o meu pai fazer um colar de dedos à volta do pescoço da minha mãe na casa-de-banho, e a cortina da banheira mais uma vez a cair - não me recordo se foi antes ou depois do nascimento do meu irmão, ou sequer se a minha mãe estava grávida dele, mas sei que foi por essa altura. Também me lembro de empurrar a minha mãe para fora do meu quarto - tinha eu cerca de quinze anos e o meu pai já tinha fugido para outro país - com tal força que ela se cortou nas costas, presa com o casaco de rendas na maçaneta ponteaguda da porta - uma cicatriz que tem até hoje. Também me lembro de quando a minha mãe perdeu a voz, tinha eu dezanove anos, e explicou-me que o namorado dela tentou sufocá-la, mas quando chamei a polícia para queixa de violência doméstica ela preferiu retirar a queixa.
Quando me deito isto são algumas das coisas que me lembro. Com imagens assim, como é que uma criança pode dormir? Não fossem elas também parte de mim e normais há já algum tempo, pergunto-me se seria capaz de dormir. Apesar de ter medo que o meu pai entrasse pela porta e começasse a partir o meu quarto pelos motivos que ele defendesse no momento, apesar de não saber se a minha mãe voltaria a ser espancada, apesar de não saber se eu e o meu irmão também, sempre consegui dormir. Dormi sempre sobre o assunto. Muitos foram os anos em que eu acordei com esse tipo de imagens. Hoje em dia, deito-me com elas.
Mas, pela personalidade, pelos mecanismos de defesa do ego, não sei, consigo sempre dormir, tal como sempre consegui dormir com medo. Hoje sou amigo do medo e por ele sinto uma enorme atracção.
Saturday, 20 December 2008
Poetry is Dead
It shan't be a problem of language or dialect, but the answer must rely in the sounds those people use to communicate. Within a generation no man will be able to speak to communicate, therefore I suggest the melody of sounds. Poetry is dead. Poetry is as dead as dead. Poetry cannot possibly be awaken ever again, due to the overuse of words which instead of representing strong emotions to describe the very depths of human kind, are now symbols of the past generations who built everything we today destroy. For all of that and much more, I bring a subject that has been out there for quite awhile but never quite explored as it deserves. Ladies and gentlemen, I am talking about music. I am not talking about the generic sounds coming out of instruments, but I talk about music artists - musicians - who play their tool with such a skill that makes us see more than an object and a person: a whole landscape, a whole country and even the very true souls of people. Those kind of sounds.
Now, if we gather together those majestic sounds and swallow them, we might ourselves become an instrument - and an artist - all in one. And we shall speak. But then we open our mouths, the mixture and the mysticism that lies beyond the words and the sounds shall prevail and bring bak to life a very art that seems to be very dead.
And then we shall have poetry restored.
Now, give in to the silence and trust the next piece as one of the few that are left to be heard.
Sexualidade
Estou cego. Só vejo um mar de leite.
Tenho a boca seca e comichões em todo o corpo. Os intestinos ganham pulsações e o coração ameaça parar. Estou, muito possivelmente, a viver a chave que abre a última porta, mas quando vou para a abrir, escorrego, sem forças e caio no chão. Caio. Caio Márcio. Caio Márcio no chão.
E eu já distante, no paraíso. Vivi virgem e sem amor. Mas como andei sempre pelo caminho da escuridão, agora deixamos que se faça mais luz. Let There Be More Light.
E volto a cair para, mais uma vez, me levantar. E quem me vê não cai, nem se levanta - levita.
No Cabo da Roca, olho para baixo e vejo aonde a Terra começa e o Mar Começa. Sou atraído ao encontro dos dois. Sou seduzido pelo ver de perto. Porque a Morte é a única que me ama e eu, que ainda sou virgem, em carência, deixo-me levar. E dou o meu primeiro beijo.
Desafio da Medusa
2 – Abrir na página 161;
3 – Procurar a quinta frase completa
4 – Colocar a frase no blog
"The Blissful feeling of being alone with the forbidden book, in a room with no telescreen, had not worn off."
in 1984 by George Orwell.
Now... Isn't this rather funny?
Friday, 19 December 2008
Eu sou a noite e sonho
É de noite que eu começo a ser quem sou, sem me preocupar comigo ou com os outros - eu sou a noite.
Na calma da noite, da janela vêem-se luzes fracas, estando a maior parte da rua submersa num manto escuridão aonde se aconchega do frio e dorme. As pessoas sonham, cada um com os desenhos que o inconsciente faz, cada um livre de ser julgado, cada um selvagem de olhos fechados e respiração estável. Com os músculos relaxados, o Mundo dorme sem pensar que se está a preparar para mais um dia - simplesmente dorme.
Há um certo medo do escuro, da noite. Um medo que fui perdendo quando comecei a impor os meus próprios horários, desafiando-me à minha maneira. Um medo que não ultrapassei, mas que faz parte de mim, fazendo-me sentir por ele apaixonado. Eu amo a noite, da mesma maneira que aqueles que brincam com aranhas cientes de um ferrão que existe.
Eu que sonho durante o dia, posso descansar agora e começar a fazer as minhas pequenas coisas da maneira que eu gosto, ao ritmo que me agrada e durar o tempo que quiser. Devo confessar que a noite para mim não resume-se à paz e silêncio, pois isso é apenas uma das suas grandes características. Também faz frio durante a noite e muitas vezes, mesmo com os aquecedores ligados, tenho de ir tomar um duche de água morna. Mas como ninguém vê, esse duche torna-se longo e a água morna torna-se quente, muito quente.
Em tempos sem descomprometidos, deito-me no nascer do Sol, quando me começo a sentir cansado. Se tiver algo marcado, deito-me menos tarde, mas acordo muito mais cedo, entrando num ciclo de quem quer passar o dia a dormir, porque não consegue dormir durante a noite. Vou então para essas ruas ver as caras das pessoas que descansaram e estão agoras frescas preparadas para pegar mãos à vida. Eu cumprimento-as e posso ver pelas caras deles como aproveitaram o tempo em que eu estava a pensar deles, ainda acordado.
Fico, então, acordado, mas a sonhar. Passo o dia a sonhar. Quando chego a casa durmo para acordar a meio da noite. Quando tocas muito numa flor, uma flor te tornas, tal como eu agora me transformei em noite - eu sou a noite. E quando acordo, na escuridão, enquanto muitos se sentem sós e se aconchegam no quentinho da cama, eu leio, vejo filmes, escrevo e como doces, de olhos abertos
e sempre a sonhar.
Thursday, 18 December 2008
Âmber
vive escondida
no útero da mulher
e dele bebo
o elixir da vida
que me imortaliza
ganho força para morrer
porque o melhor veneno
também sabe a mel
Wednesday, 17 December 2008
Mil Perdões
19 de Dez - Já arranjei a ordem, tudo certinho. Como havia demasiado texto num deles, tive de o dividir (em três). ahahah
A culpa era também parcialmente (90%) do ficheiro flash que pus num dos textos, para poderem ouvir a música do Ennio Morricone. Agora, é bom que a ouçam. ahahaha Obrigado pela paciência e atenção!
Natal em Dedben - Conclusão
Está decidido: vou começar a viajar pelo Mundo. Nas próximas férias de Verão, vou partir à descoberta para a América do Sul durante dois meses. Vou aterrar no Rio - aonde está a minha avó - e seguir para sul, até Joinville - aonde está o meu avô. Vou um pouco para Este, até o Paraguai. Depois continuo para Sul, pela Argentina para chegar ao Uruguai e, finalmente Argentina. Depois é para aonde a Bússula apontar Noroeste - o Chile. A partir daí é sempre a subir os Andes até à Bolívia, Peru (aonde está o expoente máximo da expedição - Machu Pichu), Equador e Colômbia. Depois é Sudeste: Venezuela, Guiana, Suriname, e de volta ao Brasil, descendo por todo o Litoral novamente até ao Rio. Se a América do Sul é um relógio e o Rio de Janeiro está nas três horas, vou dar a volta no sentido do relógio, voltando no final às três hora.
Até agora tenho uma pessoa confirmada e já decidimos alugar uma Van no Rio, de preferência uma das clássicas... Mais do que isto não quero nem preciso.
Somos grandes utópicos e ainda vamos acabar apeados na Amazónia com índios e lanças a voarem atrás de nós. Mas, se nunca tentarmos nesta vida, muitas das coisas que fazemos no quotidiano perdem o seu sentido.
O resto é o que trazemos sempre no peito: Paz e Amor!
Natal em Dedben - Parte Cinco (final)
Continuo a andar e vejo uma menina que está às escondidas da mãe, surpreendendo-a atrás do final dos corredores com um "psssssssssssss" de quem está a matar uma infestação de insectos. A mãe não está nada contente e repreende-a... em português! São brasileiros. Que giro. Olho a mãe nos olhos e ela pode ter pensado que eu a entendia ou que a filha estava mesmo a chamar atenção e sentir que eu estava a repreendê-la pelo comportamento da menor. Isto tudo são sempre pensamentos rápidos e curtos que, por tanta informação visual, nunca chegamos a exprimir sons, apenas contacto visual. É a vida silenciosa no barulho do supermercado.
Ao virar do corredor quase que vou de encontro com um homem forte, olhos claros, cabelo curto claro, bem constituído com aquelas feições na cara que só as mães de Leste conseguem. Dirigiu-se para a cerveja - era polaco. Riu-me para mim mesmo, acabei de fazer um juízo sobre a nacionalidade de alguém pelo que veio comprar ao supermercado e pela constituição física. Apesar de ser contra esses juízos, este bateu certo, este como tantos outros. A seguir vejo outra mulher, que pela fisicalidade, também era de Leste, mas não ia às cervejas, esta mulher ia aos frigoríficos comprar daquelas comidas congeladas - eu sei o quanto esse povo trabalha e o quão mais fácil é comer essas comidas pré-feitas. Se ela tivesse a comprar comidas estranhas, podia dizer que gosta da sua comida tradicional e caseira. Se comprasse o mesmo que eu, diria que era uma glutona e que ia acabar a rebolar pelo supermercado fora. Apercebo-me que, independentemente do que ela comprasse, ia vou ter sempre alguma coisa a dizer. Estou a começar a sentir-me ser consumido pelas ideias partidárias da sociedade. Agora vejo duas negras obesas, balançado os seus corpos, neste mercado que é tão diferente em preço e produtos relacionadamente com os mercados ao ar livre do povo de Angola. Elas falam criolo. Mas quem sou eu para julgar estas pessoas, se eu próprio também estou a ser julgado, quer por ser estrangeiro, quer por ter um piercing, quer por ter uma pronúncia, quer mesmo por ser estudante, como no outro dia vi o aviso na entrada de uma loja "Não mais que dois estudantes de cada vez".
Sei que vou ter de mandar vir um Taxi, porque os sacos vão estar pesados, por isso vou já preparando o taxi na lista do telemóvel. Esqueci-me completamente! Com isto tudo, não vou conseguir cozinhar hoje, por isso tenho de comprar algo rápido: pizza ou lasagna - pizza! E mais mozzarella.
Vou para a caixa pago as cinquenta uma libras sem soltar um pio, e percebo que as compras não cabem no carrinho, agora que estão dentro de sacos. Faço uma pilha e levo cuidadosamente lá para fora. O taxi aparece e ensino o paquistanês condutor a dizer "obrigado", enquanto que ele me corrigiu no pouco que sei de urdu. Naturalmente agora já se esqueceu do "obrigado", mas pelo menos ficou mais elucidado em relação à duvida que me expos: "é possível eu comprar um passaporte português... sabes... à candonga". Eu não o desencoragei, porque a lei desses idiotas é tão fraca como eles e é possível, é, até em termos legais - já que os ingleses fazem-se de difíceis.
Digam lá agora que não é um docinho?
Natal em Dedben - Parte Quatro
Tanta gente no supermercado. Vê-se um empregado a arrumar as prateleiras com umas luvas, outro a trazer um carrinho cheio de latas do armazém, outra na secção dos bolos, e nisto muita movimentação, pessoas para a frente e para trás. No fim do corredor dos lacticínios estão dois supervisores a discutirem os horários desta semana, quem é que precisa de estar na loja no dia tal ou quem é que tem folga. Os dois revisores, em pé, discutem calmamente de braços cruzados, enquanto os outros operários circulam à volta deles, algumas vezes recebendo ordens destes. Um deles diz: "A Rachel que faça Quinta-feira." É verdade, muitas das vezes o nosso futuro é decidido por exclusão de partes por pessoas que muito pouco se importam connosco, e pior do que isso, nas nossas costas, sem nos podermos defender. A isto, o outro disse que não: "Quinta-feira não é o dia em que chegam as encomendas?" do género "preciso é de ti cá"... Ele há sempre um peixe mai' grande. Nisto, cruzo-me outra vez com a mulher do peluche. E eu que sabia o que ia comprar, esqueci-me. Eu e metade do supermercado quando a vê passar.
Nisto passa um miúdinho a correr e a falar inglês com sotaque britânico - são tão engraçadinhos - e dirige-se aos frigoríficos, onde começa a encher os braços de iogurtes com aquele boneco que ele vê na televisão. Iogurtes não são muito a minha onda, senão tinha feito o mesmo que o menino. Chego aos enlatados. Levo tomates, muitas latas de tomates, porque eu gosto de bolonhesas. Ao lado dos tomates estão latas de milho. Levo duas, porque milho é bom como o milho e eu adoro aquelas saladas frias que levam milho. Bem podia levar também uma alface para fazer a salada... Nã. Eu já sei que ia apodrecer no frigorífico. Mas assim, a salada de milho perde o efeito. Levo o milho ou não? Levo, levo. Viro-me para pôr o milho no carrinho e vou de encontro a uma pessoa - adivinhem quem. Era ela. Pedi-lhe desculpa, olhando-a nos olhos à espera de não-sei-bem-o-quê, porque nunca aconteceu. Ela estava com o olhar fixo nas prateleiras e mal me viu. Eu sou um vulto. Tal como toda gente é quando vamos às compras. Eu, desta vez, por ter saído do quarto pela primeira vez numa semana, estava muito sensível a todo o tipo de actividade humana, especialmente à dos mais imprevisíveis como as crianças.
Olhei para o carrinho e tinha milho, tomate, pão e doces. Fui às pastas e pus esparguete no rodinhas. E, quando no fundo do corredor volto a ver a mulher do peluche, dou por mim ao lado de um rapazinho nos seus doze anos que já põe gel no cabeço e veste-se com a atitude despreocupada dos jovens de hoje discutindo com a mãe para levar umas latas que tinham o Bart Simpson na capa. Eu não censuro o miúdo, até porque eu estou prestes a levar a lata. Começo a pensar "vou tirar uma foto e meter no meio do texto que vou fazer sobre as compras do dia de hoje". Como não tenho uma mãe a puxar-me orelhas, as hipóteses de eu conseguir o que quero são muito boas. Depois pensei que seria infantil levar uma lata só porque tinha o Bart Simpson estava na capa. Eu nem sabia bem o que é que estava lá dentro, mas palavra de honra que estava disposto a levar. Lembro-me de tirar a fotografia ali, no meio do corredor, para não ter de pagar pela lata. Assim, tenho a fotografia de graça.
Natal em Dedben - Parte Três
Morrisons, um supermercado do tamanho do Jumbo de Cascais com os preços do LIDL da Torre.
Entro, vou logo à secção de CDs abandonados pelas promoções três por cinco libras. Encontro um CD de blues e digo para mim "sim, senhor!" e atiro-me à procura de mais um que aparece como vozes do soul, o que é interessante, porque não sei o que é soul e estou mesmo numa de comprar coisas novas que me cativem. Nisto, ando louco à procura de um terceiro CD para que a promoção faça efeito. É nestas alturas que aparece o lixo todo: exitos de bandas sonoras de filmes (na contracapa Eminem, 8 mile era a primeira da lista), guitarristas velhos e escanzelados na capa a promover uma carreira que só existiu na cabeça deles. Finalmente encontro um CD do Elvis ao vivo. Bacano! Também nunca ouvi bem o Elvis e pelo preço não há desculpas. Acabamos sempre for ver a contracapa e procurar o nome das músicas, porque já que ele é famoso, haverá de certeza uma ou outro que já tenhamos ouvido falar (ou mesmo ouvido) - Hound Dog, é só uma música mas serve perfeitamente - afinal de contas foi assim que comecei a ouvir The Doors: num CD que comprei no supermercado, porque já tinha ouvido uma canção qualquer do género Riders On The Storm (quando cheguei ao carro, pus o CD a tocar e fiquei apaixonado; amor ao primeiro som). Já com os três CDs na mão começo a pensar que é a melhor altura para ir embora, mas depois há sempre aquele remorso de vasculhar a pilha de CDs até ao fim para confirmar que não ficou nada de lendário para trás. E ia ficando: um CD duplo de músicas de Ennio Morricone pelo mesmo preço, ainda dentro da promoção de três por cinco libras. Como devem calcular as vozes do soul ficaram a cantar para o Eminem no cesto dos esquecidos.
Fica aqui um cheirinho do Ennio.
Vou buscar um carrinho e fico à procura da carteira com a moeda na mão. Acontece-me sempre, eu já nem sei se isto é normal ou se é... de súbito passa uma mulher que deslumbra. O mais deslumbrante dela é o peluche que leva no carrinho, o que me leva a pensar que é mãe. Mas que mãe tão elegante. Fico logo nervoso nestas situações, mas consigo esconder. Não consigo é ficar indiferente. Quando dei por mim, estava na secção dos vegetais (eu a comprar fruta e ervas, está bem!) a empurrar o meu carrinho na direcção dela. Por ela passa um velho que olha-a de esguelha. Quando ele vira o olhar, encontra os meus olhos que viram ele a cometer pecado com os olhos. Ele olha-me ameaçador e segue o seu caminho. No silêncio das trocas de olhares surgem-me na cabeça os mais loucos diálogos. Mas tento voltar às minhas compras, tentando-me abstrair do resto, e de certeza que não é na secção dos verdes, porque as únicas frutas que eu consumo estão algures nas minhas bebidas, ainda que seja em corantes, e a erva... é a mesma que a maior parte dos estudantes universitários, principalmente nos Conservatórios de Teatro por esse Mundo fora.
Natal em Dedben - Parte Dois
e não hesito em tirar duas fotografias com o telemóvel.
Agora, qualquer pessoa que veja esta cara fica logo bem-disposta, não há dúvida. Há qualquer coisa de mágico na publicidade que faz as pessoas querem entrar nos estabelecimentos comerciais e comprarem, gastarem dinheiro (psicologia).
Esta figura tipificada é o protótipo da imagem de um vendedor auto-motivado com um desejo incontrolável de agradar o cliente.
Aqui, sem papas na língua, temos o mesmo "felizardo" com uma expressão que assusta qualquer criança: um sorriso que passa do contente e bem-disposto ao ridículo, à auto-destruição de qualquer seriedade, resumindo: ao palhaço. Ao palhaço, à pantomima, ao mimo, ao arlequim, enfim, à imagem que todos conhecemos. Se não conhecem, é esta aqui do lado. Sabemos que a publicidade, as campanhas de publicidade fazem coisas fenomenais, desde viagens criativas ao interior da Terra a este tipo de comicidade que é feito há mais de dois mil anos - e ainda resulta.
Qualquer tipo olharia para o cartaz e das duas uma: ou ria-se e ia-se embora, ou ria-se e entrava. Eu, pelo contrário, fiquei chocado. Como expliquei no e-mail que enviei ao meu avô no início do ano lectivo, eu vim para cá no segundo dia de aulas, directo da lista de espera para o ano seguinte, devido a uma desistência. Vim para cá a convite do director do meu curso que acima dele só tem uma pessoa: o lendário director da escola. Ora, ele não mandou-me o convite ao calhas, porque já não havia vagas quando fiz a audição - coisa que, sendo ele o professor que dirigiu toda a minha audição (exceptuando o monólogo de Shakespeare), nos explicou mesmo antes de começarmos com o aquecimento - e havia mais gente na lista de espera. Ele conhecia-me, gostou de mim, chamou-me e eu vim. Ao chegar à East 15, correm-se grandes boatos sobre o Uri Roodner (é o seu nome) que me instigam a curiosidade em ver um espectáculo dirigido por ele - coisa que foi confirmada quando ele dirigiu o segundo ano do curso de teatro contemporâneo, o senhor é um génio.
Voltando atrás, à imagem da publicidade, que é aonde eu quero chegar: aquele fulano é o Uri! Para mim, enquanto artista, é um ultraje, é um crime! Meter um professor conceituadíssimo a fazer publicidade ridícula! Uma pessoa que defende um teatro de Arte, que defende uma visão que só alguns cegos podem ver, a entregar-se, a vender-se... àquilo, a uma indústria de máscaras ocas e cores berrantes. E porquê, por dinheiro? Eu próprio já fiz publicidade, já fui cara de cartaz, já fui cara, corpo e imagem de campanha, mas nunca me ridicularizei àquele ponto. Logo eu, um estudante enrascado, sempre a contar os trocos como qualquer outro estudante. Há uma dignidade em mim que nunca permitiu que isto acontecesse. Lembro-me de fazer castings para anúncios ridículos e de nunca ter entrado. A pensar nisso, vejo que nunca me surgiu uma oportunidade de negar um anúncio desses, pois o meu perfil nunca foi aprovado para esses projectos pelos directores de casting. Será que eu aceitaria, se fosse por um bom dinheiro? Há outra diferença, que é que em Portugal o dinheiro que um actor recebe em publicidade é cerca de dez ou vinte por cento daquilo que se recebe em Inglaterra, tendo o Uri recebido tranquilamente mais de Vinte Mil Euros - Quatro Mil Contos. Isso será o equivalente de dois ou três meses de trabalho intensivo para o professor na Escola e podendo reduzir esse esforço a um dia de filmagens [aqui o anúncio televisivo] e fotografias, porque não? Quem dera a muita gente poder fazer figura de parvo e receber aquela quantia de dinheiro.
Porque inevitavelmente, é o dinheiro que faz esta sociedade mover. É o dinheiro que nos faz sair da cama cedo deixando para trás uma mulher linda, despedida que nos pede para ficarmos mais um pouco. É tudo por causa da necessidade de fazer dinheiro, para depois podermos ser seduzidos pelas cores, voltando à estaca inicial. O Uri faz anúncios para a loja de vitaminas para dias mais tarde poder entrar na loja e levar as vitaminas que quiser. Os fins justificam os meios, mas quando não há limites, quando não há fins, só ficam os meios.
Mas, mais uma vez, cá estou eu a dramatizar. Afinal de contas, o Uri não deixa de ser o grande senhor que é, não deixou de ser mais inteligente, culto, sensível e criativo do que era. Simplesmente foi mais espero e com pouco trabalho arrecadou mais uns trocos valentes ao bolso. Para me dar uma estalada de luva branca, o ideal seria ele levar os alunos do seu curso (incluindo eu) para uma visita qualquer a um teatro desses de grande nome em Londres. Isso é que seria o ideal.
Eu conheço bem a mentalidade inglesa que, nestes termos, não é muito diferente da do resto do Mundo, incluindo a do povo de onde venho. Essa viagem ao teatro não vai acontecer, nem qualquer tipo de investimento à arte. Esta escola forma actores, não forma artistas. Forma profissionais de alto nível. Ensina artifícios e técnicas para os novos pintores poderem fazer as casas mais bem-pintadas, no menor espaço de tempo, em dinheiro de qualidade. Eu gosto daqueles que pintam quadros para si e para os amigos, sendo isso suficiente para os alimentar, sendo essas as verdadeiras qualidades por que lutam. Enquanto que aqui há pessoas que trabalham para uma indústria. E a indústria tem de produzir. Show must go on.
Mais um ídolo que quis sair da minha lista, preferindo entrar na de outros. Não é por maldade que tomo esta atitude, nem para impressionar, porque nada ganho - e muitos amigos já perdi. É que há uma voz dentro da minha cabeça que sussurra baixinho "A Verdade Não É Estatística". E é com essa voz, que continuando na mesma rua, atravesso a estrada, paro no meio do trânsito em movimento para apanhar uma moeda de dois pence, continuo e entro aonde no Morrisons.
Natal em Dedben - Parte Um
Lá fui para Loughton (cidade vizinha que fica a vinte minutos a pé) em direcção ao banco, para depositar a renda na conta da senhoria. Fui à livraria, pois tenho um trabalho de casa em que consiste ler um dos livros da lista na perspectiva de uma personagem. Ou seja, antes de o começar a ler, vou ter de entrevistar uma pessoa no seu emprego para mais tarde, sem ela saber, recriá-la num estúdio com os meus orientadores e turma. Como sei muito bem quem vou entrevistar - o paquistanês que trabalha no Favourite Chicken (do género KFC) - posso ir adiantando a compra do livro, que calha bem com o final da leitura deste que estou a terminar.
E qual é o livro que eu vou comprar, da lista? Ora bem, na lista temos o Blindness by José Saramago (Ensaio da Cegueira) e o blá-blá-blá-blá. Está visto qual foi o que escolhi: o segundo blá. Não, nada disso, foi mesmo o livro português, que me calha muito bem, porque ainda me lembro quando andava na Escola Profissional de Teatro de Cascais, onde o meu último teste, do meu último módulo de Português tinha sido precisamente sobre a obra O Memorial do Convento, do mesmo autor, e aonde tinha alcançado a nota mais alta da turma - dezoito - e que me fez ficar muito irritado com a professora por não me ter dado o vinte. Era uma aposta pessoal que lhe tinha exposto, que alcançaria o vinte no último módulo do terceiro ano, já que andava a tirar dezoitos desde o primeiro período do segundo ano. Mas como ela teve um aluno excelente que a impressinou de tal maneira a ela dar-lhe o primeiro vinte da sua vida - e único - enquanto professora. Eu sempre fui rebelde, desafiador e perturbador. Nisto os meus conhecimentos de Almeida Garrett e estética literária não serviam mais para a impressionar e murmurar com um descontentamento na entrega de cada teste "Ai, se o Carlos se portasse melhor...". Aqui está uma moral de vida: nas escolas, ter conhecimento não basta, é preciso saber-se comportar - e eu sei o que escolhi. Desta vez, para o teste, inverter a minha maneira maquiavélica para frases longas, de um humor crítico mas sonso - witty, como os ingleses lhe chamam (e muito gostam eles de usar esta palavra) - em que os pontos e vírgulas eram as únicas pontuações, tal como o Saramago o fez, não foi sufiente para o meu vinte. Aliás, foi mais que suficiente - ela é que não assumiu.
É engraçado, como o parágrafo mais longo desde texto é uma frustração minha. Mas muito sinceramente acredito que os livros estão todos feitos de frustrações dos autores - o importante, enquanto escritor, é não se deixar dominar com elas, mas brincar, usá-las, para que elas se frustrem de nós. E isto era mais uma nota para mim.
O senhor da livraria não o tinha em stock e teve de encomendar. £7.99 tive eu de pagar, por um livro português numa versão inglesa (eis um excelente exemplo de outra frustração, mas como pode ver-se é muito mais subtil. Este é o tipo de frustrações que lemos nos livros. Não é mau, é witty). Ficámos assim: na próxima Quinta-feira a partir da hora de almoço, já posso ir lá buscar o Blindness, o que até me dá um espaço de um dia para entrevistar o meu amigo Shakir, no Favourite Chicken.
Subo a rua principal de lojas de um lado e do outro e, chegando ao topo, começo a descê-la, ainda e sempre de lojas de um lado e do outro. A caminho do supermercado Morrisons - o nome de um dos meus ídolos agora a ser usado como centro comercial - encontro dois bacanos do curso mestrado em Teatro (Interpretação) Internacional, a Tanya do Canadá e o Razz da Tailândia. Na conversa descubro que o Razz mora na rua perpendicular à minha e já me está a convidar para uma sessão de chill out na sua casa. Começo a dizer que ando com ideias de fugir da Escola e eles dizem que vão fugir para a Rússia, para o ano. Que o curso de mestrado dura dois anos - apesar de a maioria o fazer em um - e que os que ficam para o segundo ano vão para a Rússia. Lá estão os meus olhos outra vez a brilhar a pensar na Polónia e as pesquisas de Grotowski (o meu seguinte passo secreto). Para me porem mais miserável ainda me dizem que os que estão tirar mestrado em encenação vão para Bali... Cheque-mate!
E-mail do dia 17 Out 08
Ola, avo! Estou em aulas. Estou numa aula de musica em que o professor quer ouvir cantar todos os alunos individualmente. Como sou o ultimo da lista, da-me tempo para vir ca dar um saltinho e contar as novas.
Basicamente, recebi um e-mail 18 de Setembro (Sexta-feira) do director da escola a dizer que um aluno tinha desistido e que tinha surgido uma vaga. Como nao tinha internet em Portugal, so o li um dia depois, respondendo que estava interessado apesar de achar que era muito impulsivo ir, tendo em conta que nao tinha nada planeado - se a escola me podia ajudar. O director respondeu (na segunda-feira) a dizer que era melhor eu esperar, entao, ate ao proximo ano. Entrei em panico e perguntei "porque" e ele no dia seguinte, Terca-feira, 23 Setembro, segundo dia de aulas, disse-me que tinha percebido mal o que eu tinha dito no e-mail e que eu podia vir e que era para eu vir o mais rapido possivel. (no entanto, nao respondeu nada enquanto as ajudas)
Por volta das 12:00 de 23 de Setembro, terca-feira, marquei o meu voo para Londres, para o mesmo dia, cerca de 5 horas depois. Falei com alguns colegas de Londres e um deles ofereceu-me para ficar la no quarto dele, por isso as 22>00 estava nas ruas de Londres, com um antigo colega de turma. Fiquei la dois dias, o terceiro fiquei na cozinha do flat de estudantes, porque a ex-namorada foi visita-lo. Por isso, nessa Sexta-feira, levei todas as malas para a escola e abri o jornal durante os intervalos, sabendo que tinha de encontrar algo, senao ia voltar para a cozinha. Encontrei um quarto e forcei (psicologicamente, ou seja, apareci la com todas as malas e carinha de cachorrinho abandonado) a nova senhoria a aceitar-me.
A renda era muito cara (390 £ por mes - e ela queria dois meses em avanco = 780£) e disse-lhe que ia pagar apenas a semana (90£), e que o resto pagaria na Sexta-feira seguinte. Eu sabia que ia ter de sair da casa dela ate ao final da semana, pois nao podia pagar aquele montante. Continuei a ver em jornais e nada encontrei...
Ate que quinta-feira 25 vi um quarto grande por 280 £ mais contas (cerca de 30 £). Fica a 5 minutos a pe da escola, e vivo com 3 alunos do terceiro ano. Quis logo mudar-me, mas o senhorio disse que so podia mudar-me na semana seguinte. Sexta-feira, entao, tive de sair da casa da senhora. Nao paguei a semana, porque disse-lhe que tinha SIDA e ela disse que nao me podia ter la em casa - foi a maneira que tive para que ela me nao aceitasse. Combinamos, entao, de lhe pagar a semana e mudar-me Sabado - 4 Outubro.
Nao tinha dinheiro, porque na semana seguinte iria gastar tudo o que tinha no deposito da nova casa e o mes (280+280= 560£), por isso sai da casa da senhora sem lhe pagar a semana - coisa que vou fazer quando tiver as 90 libras, porque acho que nao e justo, apesar de ela me ter posto na rua por pensar que eu tinha SIDA.
Nos dias 3, 4, 5, 6 e 7 de Outubro dormi em casa de amigos, saltando de um para outro, porque o senhorio nao me deixou mudar enquanto o contracto nao estivesse assinado, e, porque os alunos do terceiro ano que la vivem nao queriam assumir a responsabilidade de me ter no sofa. Acabei por me mudar para la no dia 7. Tive de comprar edredons, almofadas e etc... por isso o dinheiro foi-se. Passei quase a semana inteira seguinte a controlar o que consumia em casa e sem dinheiro na conta. Mas depois recebi o pagamento do meu trabalho no Blockbuster -a minha mae fez o deposito - e algum dinheiro da Vovo Regina. Entretanto passou mais uma semana, e o dinheiro ja quase todo desapareceu, outra vez.
Procurei ajuda financeira, mas como estudante Europeu nao tenho direito.
Inscrevi-me na mesma companhia que faz emprestimos para estudantes e estou a espera que me respondam se podem ou nao pagar o curso.
Tenho de dar 280 libras de deposito a escola ate meados do proximo mes, comprar roupas de ensaio, aderecos, livros, etc, etc, etc...
Basicamente, estou a viver os melhores momentos da minha vida, apos umas ferias que me fizeram muito bem, e a conhecer gente magnifica e muito talentosa. Tenho professores conhecidos mundialmente. O unico problema e so mesmo o dinheiro, e por isso nao me deixo afectar.
O meu numero de telefone aqui e o 0044 ********.
Sempre que puder, venho aqui ver os emails.
Fico muito contente por saber que esta melhor.
Ate mais, beijinhos!
Monday, 15 December 2008
Lathe of Heaven
Nesta passarelle em que os modelos se vão sentando nas bordas, dando passagem e aplaudindo os novos que vêm atrás.
Nesta loja onde tudo se compra, mas nem tudo está à venda.
No outro jogo em que se faz batota, tal é a ânsia de ganhar.
Lá no passeio aonde uns correm, outros vão a pé, mas ninguém tem pernas.
No livro de fotografias aonde os bebés têm cara de velhos.
Naquele concerto em que os únicos sons que se ouvem são os sons do...
"What sane person could live in this world and not be crazy?", Ursula K. LeGuin in Lathe of Heaven.
Com tanta publicidade à volta do Natal, conseguiram pôr-me doente. Mas recuso-me a ir às lojas comprar um "rémedio"... Porque aquilo não é remédio, aquilo não é nada, caso contrário eu não ficaria doente sempre na mesma época do ano. Para o ano estarei na mesma condição miserável. Até lá continuarei a tossir. Tossirei durante a noite, durante o dia, enquanto estiver no duche, a comer ou a cantar. Vou tossir até esta publicidade sair dos meus pulmões e poder voltar a respirar o ar fresco que me manterá por mais 12 meses.
Saturday, 13 December 2008
Papel
Dentro dela sai a figura do seu corpo, feita de papel e mergulha na piscina. A figura vai nadando, enquanto se vai desfazendo em pequenos pedaços de papel, até finalmente sobrar apenas um rasto branco de folhas sobre os vidros. A menina atravessa cuidadosamente sobre as pontas agudas e afiadas da piscina, saltando de papelinho em papelinho até chegar ao outro lado. Quando chega ao seu destino é uma mulher adulta, sem mais caminhos a percorrer. E os pedaços de papel desaparecem entre os vidros, como se nunca tivessem existido.
Friday, 12 December 2008
À Musa
Quero-te vestida por debaixo de mim, vestida para eu te poder despir. Para tu me ajudares a despir-te, a cavar até ao tesouro que tu tens, para além da tua pele. Quero descobrir de que são feitas as fadas e quero que troquem esta maldição por um feitiço. Quero estar enfeitiçado por ti. Quero que me digas como me queres, quero que me acalmes quando eu começar a tremer, quero sentir o calor do teu corpo transformar o nosso ninho em sauna de Primavera.
Quero-te semi-nua em cima de mim, para varreres o meu corpo com o teu cabelo. Quero que me dispas, que ponhas a mão dentro da minha camisa e calças e que expires pela boca, como um dragão que cospe vapor. Quero ser o teu passarinho e quero que sejas a minha mãe. Quero que me dês aquilo que de mais ninguém recebo senão de ti.
Quero-te nua ao meu lado, com a tua cabeça sobre o meu ombro e ver-te encolher até voltares a ser criança durante a noite adentro. Quero ser o teu discípulo dessa religião que espalhas.
Quero acordar a meio da noite e ter-te a meu lado a chorar, a pensar que já não te amo. Tenho saudades de discutir contigo, de me irritar e de prometer a mim mesmo que é a última vez. E saudades de te ver com lágrimas nos olhos a pensar o mesmo. Quero voltar a discutir contigo e virar-te costas na cama, enquanto tu fazes o mesmo - orgulhosos.
Mas mesmo assim quero-te na minha cama, no nosso ninho... por perto.
Poesia
Às muitas imagens que viste
E sentimentos que tiveste.
Com isso, escreve apenas um som.
Não expliques nada
Não faças nada
Absolutamente nada
De mau, indiferente ou bom.
No silêncio forte que arrasta
As pessoas que o Mundo gasta
Ouvir-se-á algo que as destrói,
Que não é bem som, mas corrói.
E isso será o Caos - A Ventania.
E o que tu fizeste foi Poesia.
Thursday, 11 December 2008
Pó
Aquece-se no fogo que ela emana.
Mas apesar da pequena distância, ainda sente frio
E aproxima-se para encurtar o espaço vazio.
Junta-se à fogueira que o está a conduzir
Deixando-se levar, deixando-se seduzir.
Começa a tocar na Chama ignorando as dores
E avança para as cores que lhe parecem incolores.
Tocam-se e começam a dançar juntos.
O Messias e o Fogo unidos - unos.
O Fogo a humanificar-se
E o Messias a queimar-se,
Desaparecendo abraçados,
Numa dança, apaixonados.
E o medo faz-nos afastar do Calor.
Mas para o mesmo sítio caminharemos.
Ainda que mais devagar o faremos.
Enquanto que se estas cinzas pudessem desafiar a Morte,
Continuariam a se unir.
A vontade é mais forte
A vontade não se pode partir.
Friday, 5 December 2008
Thursday, 4 December 2008
Saturday, 29 November 2008
Salário
Num acto artístico, uma mulher gorda lê uma história a um grupo de amigos. Os seus lábios transformam-se em sabor, as suas pernas carnudas em tecido suave, tal como o seu peito e ventre se transformam em cheiro. As hormonas desse grupo de rapazes que a ouvem fazem-nos deambular num transe de desejo e vagueamento. Antes de acabarem de ouvir a história - que para todos os efeitos está a ser consumida pelo ritmo da respiração de todos, que agora parece desesperá-los - sabem eles muito bem qual seria a melhor forma de retribuir tais sentimentos... libertar. As raparigas que ouvem a história notam o comportamento irregular dos rapazes, que só é ignorado por esta gorda que lê, concentrada em concentrar. As raparigas começam a sentir-se mulheres, deixando com que a respiração acelere também, deixando-se hipnotizar pelos corpos transpirados que olham fixamente para a gorda, fazendo-as sentir desprezadas e ateando ainda mais os desejos que agora começam a ter.
As raparigas começam a desapertar as blusas, enquanto que os seus úteros vão libertando pequenas gotas de vontade. Os rapazes, por sua vez, ficam com os lábios secos e sentem a zona pélvica a mudar a maneira como estão sentados. Como num quadro a altas temperaturas que começa a escorrer a tinta, este grupo de jovens começa a decompor-se, derretendo nas suas cadeiras, enquanto a mulher gorda vai lendo submersa de forma poética aquilo que tem à sua frente. Se o tempo não existisse, estes corpos teriam sido transformados em verdadeiros bonecos de plasticina para plasticina, para água, para matéria, para ar, para um gaz com reacções químicas com tendências a explodir.
A mulher acabou de ler e pousou o livro. A nuvem hipnótica desapareceu subitamente e as pessoas recomposeram-se. A mulher gorda recebe o seu salário em dinheiro. E os jovens não dizem nada do que sentiram, porque neste mundo não é assim que se paga.
O meu duplo
Ouço uma voz lá fora que me chama pelo primeiro nome. Através da janela vejo nevoeiro, vejo nuvens que rastejam-se pelo solo e tentam penetrar em casa, nesta sala, neste espaço, dentro de mim, dentro do meu coração. No entanto, apenas nevoeiro e sombras vejo e nada mais. A voz continua a chamar-me. Chama-me como se eu fosse alguém muito especial, como se eu fosse adorado. Encantador é o significado que esta voz dá ao meu nome, a este nome que carrego como penitência, e que agora se mostra como dádiva.
Olho para a porta e antes de a olhar, sei que em breves momentos ela estará aberta pelas minhas próprias mãos, e estarei a olhar para ele, para a pessoa a quem este nome pertence. Não me restam alternativas senão abrir esta porta... esta porta que nunca abri e que vai ser aberta pela primeira vez de uma perspectiva que eu ainda não tinha experimentado - doutra percepção.
Arrasta-se o sofá e vira-se-lo de forma a ficar de frente para porta, ainda que a alguma distância. Sento-me no sofá e deixo o meu corpo ser devorado pelo sofá que me devora todo o peso do corpo. Pego no comando com a minha mão, aponto para a porta e carrego no botão que faz a porta abrir. Um silêncio até que a porta se abre.
Entraram nevoeiro, o espírito do meu nome, cães, amor e dor. Oh, quanta dor entrou. Despedaçado, voltei a carregar no botão que nas primeiras vezes não fez a porta fechar-se. Continuei a ser chicoteado pelo nome que de tanto me bater, acabou por me pertencer. Não por direito, mas por me ter agredido, ver chorar e implorar, conheceu-me enquanto ser selvagem - melhor do que ninguém - e a quem agora pertenço. Finalmente a porta fechou-se.
Apesar da porta ter fechado e todos terem saído, houve coisas que ficaram para trás. Para além do mais, fraco como sou, nada me impede de voltar a abrir a porta outra vez um destes dias... só para eu ter um pouco de companhia e, talvez, perceber porque é que me chamo Carlos.
Friday, 28 November 2008
Porquê escrever?
Dás contigo a beijar o teu próprio corpo, a perder o domínio do que dizes, a masturbares-te - não pelos outros, mas por ti - e gostas. Apresentas a tua intimidade a quem não te conhece e és julgado por teres os mesmos desejos que todos. Amas-te e odeias-te ao mesmo tempo. Amas-te quando te fazem lembrar o quão especial és para mim e odeias quando todos te dizem que eu para ti não sou nada - e eu que nunca contradigo. Deixas-te jogar neste jogo do seguir o teu instinto, quando o teu instinto sou eu e só eu é que tenho a resposta, só eu é que te posso fazer mudar. Usas o verbo "amar" e "odeiar" nestes teus textos como se fossem meras palavras. São meras palavras no teu insconsciente, eu sei, eles sabem, porque também são no nosso. Mas tu sabes demais para a tua reputação, não podes afirmar tais coisas com tal liberdade.
Voa um pássaro, que de uma árvore se liberta para o céu. O pássaro cai atingido por um caçador. Aquilo que para ti é crime, para outros é necessidade. Vives num Mundo aonde não podes vencer, por eles serem demasiados contra ti, contra os teus sentimentos, contra as tuas pernas húmidas pelos meus dedos nelas, contra a tua fraqueza que aqui se liberta.
Começas a escrever - dizes tu que é instinto - mas nunca sabes aonde vais parar. O tempo não é uma força maior para ti, nem para ninguém tanto ignoísta como tu, que prefere escrever sobre si primeiro, antes de escrever sobre os outros. E os outros não são para serem escritos, mas falados, mal-falados, mal-fadados. Os outros têm de ser odiados por te odeiarem também. Mas tu, sem saberes, és mais forte do que isso e segues em frente.
"Para quê escrever?" - hás-de continuar a perguntar. E quando te queres livrar de ti procuras-me. Procuras-me a mim ou outro alguém que te faça sentir bem. Não lhe chamas alma gémea, porque o teu orgulho é mais forte que a vontade que tu tens de agradecer, de dizer obrigado por tudo - de fazeres amor. Porque tens um espelho apontado para ti, quando fazes amor com essa pessoa. Não te preocupa essa pessoa, nem o espelho, mas tu sabes que há gente atrás desse espelho - e é dessa gente que tu tens medo. E quem são eles? São eles os teus pais? Aqueles que se dizem tem amigos? Ou aqueles que te invejam e te querem destruir? São todos eles e muito menos - és tu. És tu que te vês atrás do espelho. És tu que te vês atrás do espelho. Tu és o teu espelho. Tu és o teu duplo.
Porquê escrever?
Porque se não for em letras, em palavras, em frases que podem ser usadas por qualquer pessoa porque esta língua não é minha, mas de toda a gente, não será de outra maneira. A tua voz, ainda que seja na língua, idioma, dialecto que te apetecer, será sempre tua. O teu movimento, por mais que dances e te contorças, virá sempre desse corpo que te foi dado e que agora é a tua imagem, a tua cara. E lá estás tu, continuas sem responder.
Porquê em escrita, então?
Porque é a única maneira de te exprimires sem teres de assinar.
Eu
Como é que ela sabe o meu nome?
Que corpo é este e porque está ela a acariciá-lo?
Quem pôs o espelho aqui para nos vermos?
Fui eu, fui eu, fui eu. Fui sempre eu.
Wednesday, 26 November 2008
Branagh nao gosta de mim
Monday, 24 November 2008
Auto-retrato de Deus
Um mais agitado, está agora calmo e concentrado.
A professora pergunta-lhe de onde vem tal empenho.
O menino responde sem ter sequer começado:
"Vou desenhar Deus no parque a brincar."
"Se ele nunca foi visto, como é que o podes desenhar?"
Perguntou a professora que curiosa queria perceber.
A criança respondeu: "Quando eu acabar, vão poder ver."
Sábado, 22 de Setembro 2008
O Kenneth Branagh para mim é um ídolo, fez o Hamlet pela Royal Shakespeare Company com apenas 18 anos - eu não estava lá para ver, mas vi o filme "Hamlet" que ele dirigiu e protagonizou anos mais tarde. O Sir Tom Stoppard é checo, mas veio para Inglaterra nos seus vinte anos e agora é um dos dramaturgos mais conceituados no Mundo - a rainha gostou dele e nomeou-o cavaleiro da corte. O Tchekov é um bacano. O West End é uma zona do tamanho do Bairro Alto, Princípe Real e Rossio, só com teatros - os mais conceituados do Mundo com os espectáculos, dos mais comerciais aos mais recomendados pela qualidade artística. Nisto, há um (alguns) problema(s): os bilhetes estão esgotados há um mês, o espectáculo sai de cena no próximo fim-de-semana, os bilhetes andam à volta das 30 libras e os mais baratos são em pé por £10. Mas eu quero ver o Kenneth Branagh, na mesma, por isso mando uma mensagem ao Stuart que disse que queria ver também e, apesar das condições, ele aceita encontrar-se comigo às 17:30 - de acordo com o relógio da estação, ele chegou a correr, exactamente às 17:30:37, a pedir desculpas pelo atraso. Este é o típico inglês, pontual e bem-educado. E se acham que isto é que é pontualidade, que é feito do português que estava lá às 17:18? (risos) Ok, voltando à história.
Eu não sou propriamente um gajo rico, nunca fui, e agora que já me mentalizei dos meus limites, resta-me usar a astúcia para conseguir o que quero com os recursos que tenho. O metro ida e volta de Debden para Leicester Square é cerca de 11 libras. Pois, está bem - é nestas alturas que se vê quem é que é português. Tenho ainda a alternativa de comprar um bilhete de criança por 2 libras, se eu for apanhado, levo multa na mesma; mais vale ir "ao pica". Passo o portão das bicicletas para dentro da estação, sem passar qualquer título de transporte, e temos o Balbino a andar no metro de Londres à pala (é nestas alturas que tenho orgulho de mim).
Entramos no metro, eu e o Stuart, e começamos a conversar sobre teatro, espectáculos, de onde vimos, o que procuramos em Londres e o que sabemos sobre o Kenneth Branagh. Eu e o Stuart não nos conhecemos muito bem, mas andamos na mesma escola - apesar de ele ser BA Acting e eu BA Contemporary Theatre, numa escola onde não há competição; mas simbiose - e somos os dois gajos muita bacanos. Lá estou eu a dizer a falar de Descartes, Nietzsche, Stanislavski e Grotowski, e ele a falar da namorada que deixou em Cambrige e que quer levar a ver o Phantom of The Opera. Como eu já fui ver o Phantom com a minha, dou-lhe algumas dicas: "It's a very glamourous show, with a huge cast, however the theatre has 1200 seats and we got the very back ones, on the very last row, miles from the stage - you don't wanna do that. But it's a great concert, the performers are very good - she will love it, she won't forget it."
Em Holborn, trocamos da Central line para a Piccadilly line, para sairmos em Leicester Square, onde o Mr. Branagh está-se a maquiar para nós. Aos sairmos do metro, na mudança de linhas, o Stuart vira-se: "Fuck! I left my hat in the train. I've already lost it once and had to buy it again, a year ago. FUCK!". Pronto, lá estou eu a lembrar-me se o vi com o chapéu ou não. Ele tem a certeza que o trouxe, eu nem por isso. Entramos no segundo metro, e saímos na primeira paragem. Ele diz que tem de ir aos perdidos achados e eu estou preocupado em sair atrás de alguém, sem ser visto pelos seguranças que ficam plantados nas portas do metro. Vejo a polícia, que está a dar informações - óptimo! - e sem ela reparar, estou cá fora, a andar em direcção a ela para pedir informações. Ela manda-nos para outro sítio e o Stuart parte-se a rir: "You crazy, you've just hid from her, and on the very next moment you're asking her for help. Carlos, you're crazy!" Pois está bem, mas não sou eu que mete pulseiras flourescentes nos atacadores, para eles brilharem quando estou a dançar na disco. Lá vamos às informações, e a bacana dá um panfleto ao Stuart com os horários de funcionamento do serviço de perdidos e achados, que é de Segunda a Sexta - típico - e hoje é Sábado. Seguimos em direcção ao Teatro que é mesmo na saída do metro, e alinhamos na bicha das desistências, porque não há mesmo nenhum bilhete de sobra, nem os de 10 libras em pé. Nisto, a bicha vai aumentando, e temos duas americanas a tentarem meter conversa connosco com cenas do género "Have you got a lighter?" (com aquele sotaque americano...) e a juntarem-se a nós, porque têm medinho de um bêbado sem dentes, a falar um cockney brutal, a meter-se com todos os que passam. Pois está bem, não viemos para o engate, hoje sou do senhor Branagh.
Ficámos uma hora a fila, ao frio e vimos de tudo. Vimos uma mulher com um sotaque muito posh virar-se para o bêbado "Will you please stop? Stop! Go home! Leave people alone!", chamou a polícia - foi fazer queixinhas a senhora. Eu só pensava: "Quem é que ela se julga? O que é que ela ganha em fazer queixinhas e seguir à sua vida, enquanto o homem é que fica enrascado?". Partilho os meus pensamentos com o Stuart que diz: "The streets belong to the people, she has a right to be here." e eu: "And so does he.", e ele: "Yeah...". Nisto uma pessoa à nossa frente sai da fila e vai-se embora, e eu grito de felicidade: "Yeah! Who else? Anyone?" Risos tímidos de uma sociedade de tabus. A seguir, surgem 6 motas com luzinhas (polícia) que bloquiam a estrada. A seguir à rua bloqueada, vem uma carrinha que estende uma fita branca, como que a limitar algum tipo de percurso. Depois vêm cameras montadas em carros, e uma parada de mulheres reclamando os seus direitos, com cartazes e roupas berrantes, e alguns homens - das duas uma: ou eles estavam perdidos, ou sabiam muito bem o que estavam a fazer... Atrás uma carrinha com polícia. Nisto é 19:30 e o espectáculo está a começar, finalmente chega a nossa vez. Os "simpáticos" da bilheteira disseram que as duas pessoas à nossa frente levaram os últimos bilhetes. "I can't believe this..." Nisto surge um senhor que diz: "I've got a spare one, but only one." O Stuart sabe que eu gosto do Kenneth: "Go on, Carlos, you have it." Mas o meu sangue falou mais alto: "Fuck it, mate. Let's have a look around and see if we find any other show starting at 20:00." Viro-me para a fila de gente e digo: "Ladies, there is a spare ticket, you go and have it, we're bailing." E nisto vamos a correr em direcção a Leicester Square, deixando para trás duas velhas a discutir quem é que estava à frente de quem na fila, em outras palavras, quem é que vai ver o espectáculo e quem é que não vai, ou seja, quem é que vai quebrar as barreiras de uma sociedade bem-educada e fazer o maior chinfrim no foyer de um dos teatros mais conceituados de Londres. Eu riu-me.
E ali estamos nós, a 20 minutos do próximo possível espectáculo, que ainda nem sabemos aonde é. A corrida contra o tempo. A chegar a Leicester Square, dou as alternativas ao Stuart: "There's the Prince Charles Cinema for 1.50 a ticket, and the other famous ones like Odeon, in this Square." Ele: "Nah, man, fuck cinema. We can go to the cinema anytime we want, let's see some theatre." Eu: "Alright, let's go towards Piccadilly Circus, I know some theatres there" Chegamos ao Prince of Wales, digo: "Here is Mamma Mia, but I've seen it..." Olho para a rua de cima e vejo o Cartaz do Billy Eliot: "Stewie, do wanna try Billy Eliot?", ele com um granda sorriso: "Yeah, man, let's do it." Chegamos lá, a correr, e estava fechado, porque afinal era uma agência de venda de bilhetes. Olhamos para o fim da rua e vemos outro teatro: "Let's try that one!" Chegamos à esquina aonde estávamos, e antes de vermos o nome do espectáculo, do outro lado da rua saltam as palavras: "Josh Hartnett" no espectáculo "Rain Man". Siga!! Entramos e eu avanço para a bilheteira: "Do you have any spare tickets for tonight?" a bifa: "Sorry, but the show has already started". Eu: "Alright, do you know any theatre around here with a show starting at 8?" a bifa: "You have to ask them." Não faço mais nada: "Thank you very much, that's very kind." E mando-a para a Inquisição Espanhola com um olhar de Morte... MUAHAHAHA! Voltamos loucos às ruas. "Eddie Izzard" - o tempo parou. Eddie Izzard, atrás daquelas portas a dar um espectáculo. "Hey, Stuart, let's go for Eddie. I love the man." Stuart: "No, man, I'm not in a stand-up comedy mood. The guy is a bit full of himself, he annoys me.", e eu: "He is God, but never mind, you are right: we came to see some theatre and that is what we are going to do." E corremos pela rua fora. Mais luzes: "Piccadilly Theatre". Em sprint até ao final da rua, chegamos ao Piccadilly Theatre. "Grease". "No, nooooooooo! Fuck, noooooo! Not GREASE!!!! I know, man, let's go back the Piccadilly Circus Square." Dobramos a esquina e ao mesmo tempo dizemos: "There!".
Corremos para o Criterion Theatre, o espectáculo começava em 15 minutos, bilhetes a 15 libras para os estudantes (treat!), qual é o espectáculo em cena? " '39 steps", uma versão de palco do filme do Hitchcock. Eu digo: "Fuck!" O Stuart: "What? What is it?" Eu: "I bought this Hitchcock's collection and probably I have this film, although I haven't seen it though. Now, I could know what this is all about... But it's ok, 'cuz now I can focus on the show itself, and then I get to see the film in a different perspective." Lá estou a querer saber mais. Mas na entrada do teatro Criterion dizia: "Winner 2 Tony Awards 08, Best New Comedy Olivier Award 07" - o espectáculo tinha que ser bom. O gajo da bilheteira vendeu-nos dois bilhetes com "stlightly ristricted view".Eu ali estranhei logo... Começo logo a pensar noutras alternativas, porque depois daquela do Phantom of the Opera, onde da última fila só se vêm formigas e chinesas a rir o espectáculo todo, não e voltam a apanhar. Eu sabia que havia mais espectáculos no final da rua, o Phantom e isso. Mas aceitámos o desafio, porque eu tinha um plano em manga. Acabámos atrás de um poste, por sermos estudantes. "Bloody Bastard!" Eu tiro uma foto do lugar aonde estamos (senão ninguém acredita) e lá vem uma fulana mandar vir - eu já sabia que alguém vinha reclamar, mas carregar no botão é sempre mais rápido e eles não são gente para confiscar cameras. Vimos a primeira metade do espectáculo, eu inclinado para cima da mulher do meu lado esquerdo, o Stewie sentou-se nas escadas, porque nem inclinado ele via. Mal acaba a primeira parte, desce o pano de ferro de pano, lá vão os ingleses buscar o seu copinho de gelado, e era a altura perfeita para pôr o meu plano em prática. Eu já tinha andado a mirar os lugares vagos, porque apesar do teatro estar cheio, se nós conseguimos bilhetes 10 minutos antes daquilo começar, de certeza que é porque eles não estavam lotados nem poderiam ficar, nos últimos 8... Por isso, teria de existir outros lugares, lugares com melhor vista. Viémos parar aqui (e vai mais uma fotografia):
Muito mais agradavel...
Acabado o espectáculo, levo o Stewie ao Her Majesty's Theatre, logo ao virar da esquina, onde o Phantom of The Opera está em cena há mais de vinte anos. Estamos em passeio, já vimos Teatro, mas quero mostrar a plateia e os seis andares de balcões, para que ele possa comprar o melhor bilhete para a namorada. O espectáculo tinha acabado de acabar (risos... "acabado de acabar"), mas eu já conheço os ingleses: "Posso ver a platéia?" "Não". Mas eu não ia cair nesse erro... Por isso: "Sorry, I've lost my wallet. Is there any chance we can look for it." ela: "Yeh, where were you sat?" Eu já a pensar que me ia pedir o bilhete para ver o número e começo a pensar a pensar em dizer a verdade, e o desespero que é ver a platéia. Eu já fiz isto antes, e é aqui que os egoístas se dão ao privilégio de dizer que não, como já me foi feito antes. E, num instinto de "pensa que estás numa impro" e digo: "Can I show you my seat?" e entro no Her Majesty's Theatre à calão. A mulher segue-me logo, o Stewie hesita, mas em passos curtos vai entrando e começa olhar para o interior do teatro, o fosso de orchestra, o próscénio, etc... Nisto, estou a olhar para o chão, na primeira fila do segundo anel, arrastando a mulher comigo que também olhava para o chão. Com ela a olhar para o chão faço sinal ao Stewie que também já estava a entrar na minha brincadeira e a distrair-se com aquela situação fictícia e com os lábios mudos e apontando para cima digo: "Look up". Ainda ficámos uns dois minutos à procura da carteira que tinha no bolso. Depois saímos, e levámos os panfletos para ele ver os preços e lugares, para preparar a noite com a namorada.
Ainda fomos ao Trocadero jogar nas máquinas, ele experimentou o Black Jack e ganhou £1.50, e antes de ficar viciado arrastei-o dali para fora. Fomos comprar umas sandes e lá voltei eu à aventura do entrar no metro sem ser visto pelos seguranças. O metro estava a abarrotar, mas a viagem era longa e nós sabíamos que mais tarde ou mais cedo as pessoas iam saindo e já nos poderíamos sentar. Lá para Stratford, uma gótica começa-se a meter connosco, completamente besana mais os amigos, a comer a alface da minha sandes. Ela saiu e outras três sentam-se à volta do Stewie a comer o Twix que eu lhe dei e uma delas a atirar-se subtilmente... quando sairam ouvimos: "He was FIT!"... Pitas. Chegámos a Dedben, toca de saltar a porta das bicicletas, dizer adeus ao Stewie e andar para casa . Na rua de casa, ouço a voz da Chloe e decido fazer-lhe uma visita. Estava ela, o Ray, o Jonny, a Robyn e o nosso amigo dela Eddie a fumar erva, beber gin&tonic e a ver séries no computador. Nisto aparece a Marta - italiana - a descer as escadas e a dizer para fazermos menos barulho que queria dormir. Batem à porta, e é a Valéria, mexicana, que também já vinha acompanhada. Fico um pouco com eles, mas depois despeço-me e vou dormir.
Comprei um poster do espectáculo, a ver se começo a tapar esta papel de parede florido que cobre as paredes do meu quarto. Em relação ao Kenneth Branagh, isto não fica assim: a meio da semana vou baldar-me às aulas para ir para a fila mais cedo. A ver se não o vejo... Pois, está bem!
Friday, 21 November 2008
Da mesma forma que gosto de alguem, mas por ter medo de perder (o que ainda nem sequer tenho) acabo por nunca ter.
Como e que eu posso saber o que quero sem nunca conquistar o que me repulsa ou assusta?
Tenho uma dor de cabeca que, pelo seu peso traz-me ideias novas, novos sentimentos - nao de egoismo, mas de individualismo.
Aprendo a mexer-me de forma diferente por causa deste peso. Descubro outra parte de humanidade e comeco a perceber melhor as pessoas obsecadas, furiosas, poderosas e com dor. Nao tenho pena delas, nem as contemplo, porque eu sei que isto e apenas uma dor de cabeca que acordou comigo por eu nao ter comido quase nada ontem, durante o dia inteiro. Se eu nao dei o que meu corpo pediu, ele hoje da-me algo que nao pedi. E tento nao tomar este sentimento por certo.
E e assim que o amor se torna em odio.
Paz e saber.
Se eu nao sei enfrentar-me, se eu tenho medo de mim, como me poderei agradar?
Hoje vou passear pelo frio fresco da noite. Talvez convide-a para vir comigo. E se ela nao vier... vou ter com ela.
Wednesday, 19 November 2008
Vem ao Dono!
O meu cão, sempre fiel, vem quando o chamo, vai quando o mando embora, sente quando eu sinto e nunca deixa de me ser fiel. É um escravo das minhas vontades. É o mesmo cão que me raspa na porta quando esta está trancada, é o mesmo que dorme aos meus pés se a porta ficou aberta. Lambe-me o nariz e os lábios, não num acto de vandalismo, mas com carinho e amor na sua maneira natural de ser.
Dou-lhe pancada quando me suja a casa, grito-lhe quando me rói os móveis e persigo-o quando se esconde. Talvez não o leve a passear as vezes que ele precisa, talvez não tem os brinquedos de que precisa, e talvez tem medo. Mas não tem consciência. Eu tenho consciência. Eu devia ter mais cuidado com a como me expresso àquele animal que só me entende através da minha respiração acelerada ou fraca.
Apesar de tudo, ele vem sempre ter comigo nos momentos de silêncio - e muitas vezes arrependido, para me pedir desculpas por aquilo que eu o obriguei a fazer.
Meu pequeno cão, que sacodes essa cauda quando ouves o meu nome, que me olhas com esse olhar de quem me ama realmente, vem! Vem ao dono! Vem ao dono que te ama e que só te quer fazer feliz!
Tuesday, 18 November 2008
Quo Vadis (Onde Ides) ?
Eleva-se o coração
P'la maneira como trata
E também como maltrata
Fuja de si e do pressentimento
Procure aquele monumento
Em lembranças pobres que matam
Simples toques de momentos que arrastam
Encontra-se no seu próprio bolso
Quem é feito de carne e osso
Sem destino e sem valor
Segue pela estrada ainda sem forma e incolor
Descobrindo no futuro o passado
Adivinhe-se o que foi encontrado
Uma criança que brinca e corre
Mas que agora é velha e morre.
Monday, 17 November 2008
A Vitrine
Inicias, então, a tua escalada na escada rolante da vida para chegar depressa àquele lugar de conforto. Esqueces-te que a escada não pára, e, que maior é o tempo que passas a lutar pelo que queres, do que aquele que tens para aproveitar esse tal lugar pelo qual tanto anseias. Corres porque os outros também correm, começas por lutar com os outros e acabas a lutar os outros. Serão verdadeiras as imagens que te cativam, serão sinceras e bem intencionadas as vozes que lá em cima te chamam? Enfeitiçado pelos beijos dos lábios que não podem amar, aprendes a fazer amor com a solidão de quem não tem tempo para estar só. E a escada rolante continua, continua, sempre sem parar, sempre sem abrandar, sempre.
Segues com esses bolsos cheios do dinheiro, que te faz sentir maior, em direcção ao fim da escada rolante que te tira tudo o que conquista à tua frente, sem respeito ou piedade, e atira àqueles que sedentos correm nas tuas costas. E num último desejo, pedes para ver a distância que percorreste, a altura que alcançaste, a quanto te elevaste, o quão superior és dos outros.
Deixas cair o corpo, as lágrimas e a razão, pois tu estás numa vitrine, e a escada rolante foi sempre uma coisa que só tu meteste na cabeça - só tu e mais ninguém.